quinta-feira, 8 de maio de 2014

Lá no Oeste - 2ª parte (que, na realidade, é a 1ª parte)

O culto Mariano do senhor Valente vem desde aquele dia da festa na colectividade, aquele em que se assou um porco logo ali no Largo da Palmeira e que a Rosa levou as vinte e duas tacinhas de arroz doce para a sobremesa. A farra ia bem animada nesse dia, o vinho tinto  corria a rodos, a música da Ágata trazia alegria às gentes, a Dona Adelaide dançava com a Gorete, umas desenvergonhadas já se sabe, e os homens, encostados ao tractor, falavam sobre o penalti anulado no jogo da bola do dia anterior e como essa decisão tinha dado cabo do campeonato. Só a Dona Rosa, copo de plástico na mão, parecia não se divertir. Estava cismada que alguém andava a surripiar o arroz doce. Disso mesmo deu nota ao senhor Valente, disse-lhe que, quando chegasse a altura da sobremesa, as vinte e duas tacinhas que já não eram assim grande fartura, iam parecer coisa pouca e que eles iam ficar falados, haviam de lhes chamar somíticos e até coisas piores. O senhor Valente, dispensou-a com um aceno de mão ao mesmo tempo que disse:
- Oh mulher, quando chegar a sobremesa já ninguém sabe de que terra é, quanto mais contar tacinhas...
Mas a Rosa não descansou, aquilo não lhe saia da cabeça, o melhor era ir contá-las, só por causa das tosses. E assim fez, foi lá dentro como quem não quer a coisa, voltou a encher o copo para disfarçar, bebeu-o todo para ocultar os seus intentos e pôs-se a contar. 
-... dezoito, dezanove, vinte, vinte e uma... c'um catano! Lá está, já faltava uma!
Foi nesse exacto momento, no momento em que a Rosa constatou que tinha sido vítima de furto de arroz doce, que lhe apareceu a Nossa Senhora. A Rosa reconheceu-A logo, trazia o manto azul, o debruado a oiro, igualzinho ao da Igreja matriz e, não havia dúvidas, era mesmo Ela! Ora a Rosa, arreliada que estava com a situação do arroz doce, e não obstante a inusitada interlocutora, aproveitou a oportunidade para confidenciar à Nossa Senhora as suas apoquentações. Que parecia impossível, que ela tinha a certeza que eram vinte e duas tacinhas e agora, tinha estado a contar, e só estavam lá vinte e uma! E o que é que as pessoas iam dizer...
E a Nossa Senhora, consternada, acenou com a sua doce cabeça ao confirmar que realmente faltava uma tacinha e, sem que nada o fizesse esperar, deu dois passos em frente, curvou-se em direcção à Rosa, pôs a mão em conchinha e sussurrou-lhe logo ali ao ouvido "O" segredo, deu-lhe de bandeja o nome da ladrona (disse mesmo assim: "ladrona"):
- Foi a Isilda, a lá de cima, do moinho!
E a Rosa, ouvindo da boca da Nossa Senhora a confirmação de todas as suas suspeitas, abalou em direcção ao senhor Valente, não sem antes pedir à Nossa Senhora que lhe deitasse um olhinho pelo arroz doce, não fosse a malvada da Isilda tentar de novo.
Ora, chegada à beira do senhor Valente, a Rosa hesitou, sem saber bem que notícia lhe havia de dar primeiro: se o nome da ladrona, se o facto de ter sido a Nossa Senhora a revelar-lhe o segredo. E, então, como não se decidia, resolveu dizer tudo de uma vez:
- Oh Valente, apareceu-me a Nossa Senhora e diz que foi a Isilda que se aviou com o nosso arroz doce.
Ora, o senhor Valente quis logo saber onde andava a Nossa Senhora, que também A queria ver, que não é todos os dias que se tem oportunidade. E logo ali, na festa da colectividade... via-se logo que ela era uma "pessoa" dada. E a Rosa, ralada que ainda estava com a escassez de arroz doce, logo acrescentou que realmente tinha sido uma sorte, que assim que os outros soubessem que a Nossa Senhora lhe tinha aparecido, nem se iam lembrar de contar as tacinhas. 

Apesar de mais ninguém ter tido a sorte de ver a Nossa Senhora, e depois do rebuliço que a notícia causou, a festa ficou conhecida nos anais desta aldeia como a festa d'O Segredo do Oeste e o senhor Valente, corado do vinho e de orgulho, tomando a aparição como sua, porque, lá está, se são casados é para o bem e para o mal, e uma aparição sempre é uma aparição, desde logo declarou que seria ele a ir a Fátima para de lá trazer uma Nossa Senhora de manto azul, à medida da fé da sua família.





34 comentários:

  1. Adooooooooooooooooooooooooooooooooooorei!


    E a Isilda? Ajustaram contas com ela, ou ladrona safou-se?

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  2. Aposto que a Isilda não é devota de Nossa Senhora!

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  3. Está visto que a Isilda já tinha aviado o arroz doce!

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  4. Ri-me tanto que agora tou aqui cheio de soluços...

    Vivam o meu diafragma, o arroz doce da D. Rosa e a Isilda, essa porca enfardadora de arroz doce!

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  5. Toda a gente sabe que os que dedicam a vida à religião se gostam de aviar com doces...
    Aposto que a foi a Nossa Senhora e quem pagou foi a Isilda, coitada.
    Adorei a história da aparição ! :):)

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  6. Olha lá, andas com ideias de escrever um livro, é?
    Olha que eu topo cenas destas à légua, han?

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    1. Eh pah... eu sei muito bem que isso é coisa a que pouca gente escapa hoje em dia... mas, não, não contes comigo para cenas dessas! :DDDDDDDD

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    2. Com o susto de poder ser verdade, finalmente passaram-me os soluços! :D

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    3. Pois deverias, Palmier.
      Que delícia de textos. :)

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  7. PARABÉNS, PARABÉNS, MINHA LINDA PALMIER

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    1. Parabéns!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
      A festa, as vestes amarelas e os cordeiros estão a postos para sair a rua para a Pop-up Party do século. Aguardo o teu sinal!

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    2. Lá se deixa uma escritora (ou escrevinhadora, como diz uma amiga) sem festa?
      Parabéns! :)

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    3. "- Oh mulher, quando chegar a sobremesa já ninguém sabe de que terra é, quanto mais contar tacinhas..." onde está o vinho aposto que nenhum esquece. Ao menos que deixem um garrafão para festejar osjanos da Palmier!! :D Parabéns!!
      (ou será Parabéns pela bela prosa?)

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    4. É mesmo parabéns a esta velha carcaça! :DDDDDDDDDDDD
      Obrigada :D

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    5. Ousas aniversariar sem dizer nada a ninguém, herege dum cabrão??
      Parabéns, pá. Que os próximos 80 anos sejam tão bons para ti quanto os últimos 80 foram.

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    6. :DDDDDDDDDD

      Estava a ver se me escapava ao vexame de revelares perante todos a minha provecta idade. Mas pronto... já vi que não resististe... espero que estejas contente!

      (obrigada :DDDDDD)

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  8. só me ocorre dizer: minha nossa senhora! hahahahahaha

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  9. Gosto quando a mulher, a D.ª Rosa, o trata por Ó Valente!, nunca pelo nome próprio, assim como se estivessem na tropa! :)

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  10. Parabéns, Palmier! (Não parece nada que já estás nos "entas", esquece lá!...) :P

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    1. peço desculpa pelo atraso... mas este comentário tinha ido parar ao spam...

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  11. Anos e anos a caluniarem a D-ª Isilda e... Afinal havia outra (ladrona)!
    http://apipocamaisdoce.sapo.pt/2014/05/proximaaaaaaaaaa.html?showComment=1399545293775#c4833491966718488581

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    1. Ahahhaahhahahhahhahahhahahhahahaahhahahahaahhaahhahaha
      Mais uma voltinha, mais uma tacinha? :DDDDDDDDDDDDDD

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  12. Porra ó Palmier... Mas tu fazes 25 anos e não dizes nada? Achas isso bem?

    PARABÉNS miúda! Um grande dia, junto da Palmierada toda, com tudo do bom e do melhor!

    Uma beijoca gorda como este que escreve!

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  13. Pois que bem. Pois que parabenizo!

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  14. Bolas, uma pessoa afoga-se em trabalho e só às dez da noite é que percebe que fazes anos. Não há direito!
    Parabéns!

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  15. Adoro a maneira como escreve, parabéns.
    E realmente, algumas das suas estórias davam um bom livro.

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  16. Palmier, minha querida Palmier.... Mil, não, mil e um, não, mil e dois, não... É prá loucura é prá loucura... Um milhão de beijos de parabéns! :))))

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  17. E sim... sinceramente, havias de pensar nessa coisa do livro... Adoro, ADORO, a forma como escreves....

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