Em
1969 o meu pai terminou o curso de medicina. Tinha ficado livre da tropa mas,
mal fez o último exame, ele e todos os outros na mesma situação foram mandados
apresentar-se em Mafra para iniciarem a recruta. A minha Maman, já casada,
continuou o seu curso, que só viria a acabar em 1970. Este último ano de curso,
conta a minha Maman, não poderia ter sido mais surrealista…
O meu pai, depois de um treino breve em Mafra foi então mandado para a guerra,
e ficou combinado entre ambos que a minha Maman só se lhe juntaria quando
terminasse o curso. A minha Maman só foi, portanto, para a guerra um ano depois, em
1970.
Nessa
altura Maman estudava Fourrier e sonhava viver em falanstério.
Nessa altura usavam-se mini- saias e a minha Maman gostava delas bem mini.
Nessa altura Maman pintava sardas na cara para ficar um pouco mais sixtie.
Nessa altura, e para contrabalançar este ímpeto hippie, eram visita de casa da
minha avó a Senhora Dona Carlota e o Senhor General.
O Senhor General, homem alto, calmo e ponderado, cansado de uma vida já vivida,
dava a dianteira à Senhora Dona Carlota, que, não tendo nunca ido à guerra,
estava ainda muito viva e pronta para ordenar tudo aquilo de que o Senhor
General já havia desistido. Dir-se-ia que a Senhora Dona Carlota estava pronta
para subir ao posto de General e a despromover o seu marido a ajudante de
campo.
Ora,
a Senhora Dona Carlota revia-se em Maman, encantava-se com as analogias que
encontrava na história de vida de ambas, pensava mesmo ter sido como ela na sua
juventude e, em tudo o que a Maman dizia respeito, encontrava semelhanças com
aquilo que havia vivido.
Imagine-se, portanto, a exaltação provocada com a ida do meu pai para a guerra.
No tempo em que George V era rei e imperador do Império Britânico, quando o seu
primo Nicolau II era czar da Rússia, e Guilherme II Keiser na
Alemanha, neste país acabado de sair da monarquia, temente pelas aparições de
Fátima e presidido por Bernardino Machado foi a vez do Senhor, ainda não
General, ser chamado a incorporar o Corpo Expedicionário Português para a
guerra das trincheiras em França.
Ora, ninguém melhor do que a Senhora Dona Carlota poderia compreender o estado
de alma de Maman, e, convencida do que afirmava, logo se propôs a envidar todos
os esforços para minorar a angústia que sabia estar a afligi-la. E como se
propunha a fazer tal coisa? Como é que a pobre Maman iria ser aliviada de
tamanha angústia?
Pois bem, já que durante a semana sempre se ocupava com os estudos, o que
seguramente a distraía, durante o fim-de-semana era preciso agir e não deixar
que a desocupação permitisse que a tristeza se lhe infiltrasse na alma. Assim
sendo, ficou determinado pela Senhora Dona Carlota que, no fim-de-semana, Maman
iria almoçar a sua casa e, após o almoço, o casal a levaria para um passeio que
a animasse.
Nesses fim-de-semana, sentindo-se como a velhinha que é ajudada por uma alma
caridosa a atravessar a estrada que não quer atravessar, Maman abria um pouco o
fecho da sua mini-saia para fazê-la descair e torná-la apenas saia, compunha-se,
e lá ia para o almoço. Diz não se lembrar das conversas, mas lembra-se, sim, da
angústia de não ter nada para dizer. O almoço era engolido como se de uma
pílula se tratasse e a seguir vinha o passeio turístico aos museus e afins da
capital. O que mais a impressionou, de tal maneira que já a ouvi contar várias
vezes esta história, eram os momentos da saída para o passeio.
O Senhor General, morava numa avenida que desembocava numa praça, onde, nesse tempo,
o trânsito era dirigido por polícias sinaleiros empoleirados em peanhas.
Chegados ao fim da avenida, na esquina da rua, a Senhora Dona Carlota, numa voz
tonitruante e com um braço no ar, gritava para o sinaleiro:
- O
SENHOOOOOR GENERAAAAAL QUER ATRAVESSAAAAR!
E o polícia desdobrava-se imediatamente em mil gestos, mandava parar o
trânsito vindo de todos os lados, e os três atravessavam, a Senhora Dona
Carlota de cabeça levantada e queixo esticado, ciente da importância do seu posto,
para, então, se dirigirem ir ao seu passeio.
As mulheres dos generais (ou até mesmo dos coronéis, vá), devem ser todas iguais, que esta história fez-me lembrar muito alguém. Certamente que há uma escola só para generalas, onde elas aprendem essas coisas... :)
ResponderEliminar:))))) são clonadas :D
EliminarOu "Abram alas ao Noddy, no seu carro amarelo, abram alas ao Noddy, o dia vai ser tão belo!"
ResponderEliminarAhahahhaahahahahahahhahahahhahahhahahahahhahahahhahah
EliminarÉ mesmo isso!
Gosto tanto quando contas estas histórias!
ResponderEliminarLuciana
:)
EliminarTalvez não te tenhas nunca apercebido da importância dessa travessia.
ResponderEliminarA praça era atravessada em diagonal, roçando a peanha do sinaleiro, de tal maneira que algumas vezes receei ver a autoridade rodoviária descer da peanha e de gatas empurra-la para que a Srª Generala pudesse pisar o centro geométrico do largo.
:DDDDDDDDDDDDDDDDD
EliminarO que me ri com a Sra. Generala e a maravilha que é ler-te.
ResponderEliminar:)
EliminarBoas histórias!
ResponderEliminar:)
EliminarComo sempre!
EliminarHá dias vi uma reportagem sobre os sinaleiros em Lisboa, parece que estão a voltar. Essa senhora "Generala" ainda anda por cá, que é como quem diz, ainda é viva? Seria o delírio...
ResponderEliminarAdorei!
Já não :) mas aposto que o seu fantasminha vai andar de volta dos sinaleiros :)
EliminarFoi um prazer ler esta história. Escreve maravilhosamente!
ResponderEliminar:)
EliminarO posto de Generala deve passar de geração em geração. Há sempre uma Generala desconhecida que espera por si :) :) :)
ResponderEliminarExcelente história, principalmente por ser verdadeira e muito bem contada.
Antigamente a miudagem chamava aos sinaleiros "cabeças de giz" :)
:))))))
EliminarAdoro estas histórias antigas, menina Palmy. Uma delicia.
ResponderEliminarEstas narrativas são uma delícia! Consegui visualizar a cena!!!
ResponderEliminar:)
EliminarDe repente, veio-me à cabeça a Helga do Allô Allô, anunciando o Herr Flick!
ResponderEliminarA Palmier deveria escrever um livro :).
:DDDDDDDDD
EliminarNunca desilude! É sempre um prazer vir aqui.
ResponderEliminarObrigada :)
EliminarPalmier, adoro este teu registo (eu e toda a gente que comentou antes de mim, todos os que nao comentaram mas leram e todos os que vieram providos de cérebro). És sem dúvida uma mulher muito interessante e olha que eu nem sou lésbica mas ponderava deixar o meu marido ahahah (além de ti deixava pela Scarlet e pela Jolie). Também tenho dois filhos, ficávamos com a caixa cheia e como os meus são ainda bebés até podíamos ter um blog de lacinhos e golas ahahah :p
ResponderEliminar:DDDDDDDDDDDDDDDDDD
EliminarIsso é que era! Que eu tenho andado aqui a ponderar alugar um bebé, para os posts dos laços, e assim ficava com o problema resolvido! :DDDDDDDDDDDDDDD
Adoro Palmy literária, adoro. Tão bem escrito, é um deleite de ler :)
ResponderEliminar:)))))
EliminarLembraste-te desta história porque estiveste a ver o National Geographic?
ResponderEliminar;)
Editoras? Onde andam?
ResponderEliminarQueremos um livro!