sábado, 7 de maio de 2016

O estranho caso dos personagens que desapareciam da história

A sala era sob o comprido, alcatifa vermelho-sangue, duas grandes janelas de sacada numa das extremidades, uma credência dourada de rebuscados rococós com um grande telefone preto pousado em cima do tampo de mármore, um telefone em forma de carocha com um disco para marcar os números, um piano na parede do lado esquerdo, a tampa aberta, as teclas brancas alinhadas como num sorriso. Lá dentro uma mulher sentada numa cadeira, um vestido de seda verde escura com uma laçada no pescoço, a cabeça baixa, entre as mãos, sem se mexer, em silêncio. Passarm-se muitos minutos sem que nada acontecesse, só aquele silêncio e aquela mulher. Então o telefone tocou e ela levantou-se, atendeu sem uma palavra, ouviu durante muito tempo, o rosto a endurecer, transformando-se lentamente numa estátua de pedra, a expressão dos olhos sombria, como se uma tempestade lhe atravessasse as pupilas. Depois, com movimentos contidos, vagarosos, calmos até, e sem desligar, pousou o auscultador ao lado do telefone, ainda se ouvia a voz de quem estava do outro lado, falando sempre, calçou umas luvas minúsculas, dirigiu-se ao piano e bateu com violência no teclado, com as mãos abertas, furiosas, três vezes de seguida, os dós, os rés, os mis, os lás, projectados pelo ar, atirados por todos os lados, perdidos, espalhados, a reverberar pela sala, a subir ao tecto e a cair logo em seguida, a esbarrar contra as paredes como pássaros desnorteados, e então, cega ao caos que ali reinava, pegou na carteira e saiu porta fora, deixando para sempre esta história. Assim que a porta bateu, uma velha criada vestida de preto entrou com uma pá e uma vassoura, varreu pacientemente as notas musicais caídas agora pelo chão, já esvaídas e morrediças, juntou-as num montinho que arrastou depois com gestos mecânicos para dentro da pá e, com uma expressão banal, de desinteresse, chegou-se ao piano, abriu-lhe a tampa superior e deitou-as com indiferença para dentro da caixa de ressonância, desaparecendo desta história por onde tinha entrado. Na sala ficou só a voz, falando ininterruptamente pelo telefone.

48 comentários:

  1. Respostas
    1. Os "estranhos casos" são histórias para serem continuadas! O cenário está montado, faz entrar os teus personagens! :D

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    2. ahahahaahahahhaahah!

      hummm, não sei. acho o mini-conto tão bom, que uma sequela pode até estragar.

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    3. mulher, mas que adepta és tu?!?

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    4. (vou já mandar mail ao presidente)

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    5. Ahahahahhahahahhaahhahahahhahahahahahhahahahhahahahahahhahahhahahahah
      Esqueci-me. Mas está 3-0, é o que interessa! :DDDDDDDDDD

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  2. (e releio: mulher, está mesmo muito bom. tu é que o devias continuar. a sério.)

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    1. Mas a minha história acabou. Os meus personagens foram-se embora, são uns indisciplinados, é o que é! :D

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  3. Hum. Não está mal. Está até bastante razoável.

    (estava a pensar escrever sobre a temática, mas melindrou-me profundamente ler que não sabia a que horas joga o Sporting,...)

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    1. Mas vi a partir do minuto sessenta e oito, e isso joga a meu favor! Vá, vá, escreva lá sobre a temática! :D

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    2. Bem, já que pede de forma tão insistente, já que parece ser uma coisa tão importante para si, já que antevejo que poderá deixar marcas profundas eu não escrever, ponderarei...)

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    3. Graças a Deus! Só agora reparei que estava sem respirar desde o último comentário, tal era o estado de ansiedade em que me encontrava! Pipoco, trazendo bloggers de volta à vida desde 1932!

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    4. Ora, Cuca, estou aqui para lhe trazer felicidade...

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    5. Cuca?! Pronto. Faleci. É o meu último pensamento neste mundo foi: "Afinal era ela a preferida..."

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    6. Ressuscitei só para dizer que é melhor não... :DDDDDDDDDD

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    7. Invocaram o meu nome em vão, foi?

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  4. adoro personagens que desaparecem :) onde é a continuação? flor?

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  5. Parabéns, Palmier! Felicidades e continuacaoacertei? Se não acertei, as minhas desculpas)

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    1. (taurina?!?! PARABÉNS!!!!)

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    2. Eh touro lindo! :DDDDDDDDDD

      Obrigada:))))

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    3. O que eu queria desejar era a continuação do maravilhoso sentido de humor mas ficou uma mensagem encriptada....

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  6. Doce Palmier,
    Desejo-lhe muitas felicidades e muitos anos de vida. Parabéns!
    (Aceite o meu modesto contributo de continuação como prenda de aniversário.)
    Beijos,
    Outro Ente.

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  7. Antigamente as pessoas tinham essa mania, de guardar as roupas melhores só para ocasiões especiais e depois é como dizes, a gente crescia e pumbaaaa ficava prá mana :))
    Parabéns Palmier que faças muitos mais com saúde.
    Beijinhos

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  8. Palmier, onde foi buscar esse dom?

    Adoro as suas histórias.

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  9. Interessante...

    ...quase me atreveria a fazer uma continuação...
    ...mas como é raro escrever alguma coisa de jeito, é melhor ficar quieto...

    :)

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    1. Ora, ora... a história está mesmo a pedir a continuação :)))))

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    2. ...pois, mas já há umas quantas espalhadas, e bem interessantes!

      Se eventualmente me der na telha ainda o faço, mas ainda estou traumatizado com a história da chave...

      LOL

      :)

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    3. Olha, apesar do trauma...

      https://umblogdiferentedosanteriores.blogspot.pt/2016/05/o-estranho-caso-dos-personagens-que.html

      :)

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  10. Parabéns Palmier. Foi ontem!!!!!! Caramba pá, sou sempre a mesma.
    Que sejas muito feliz, que contes tantos quanto possas contar, sempre com alegria. É tudo o que te desejo, minha querida Palmier.

    Vou tentar continuar.

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  11. Palmier, sabes o que é que era fixe, mas mesmo fixe? Assim uma coisa tcharan de tão fixe que era?
    Era ires editando este post com os links para mais estranhos casos, para os podermos ler todos.

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