segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Oração da Renúncia


Dizei-me, pois, Palmier Encoberto: Renunciais a Blogo-Satanás?
Sim, renuncio. Satanás não presta, toda a gente sabe que é o único mal da blogosfera! Saravá, já daqui para fora. Levanto já aqui nas minhas mãos um crucifixo incandescente como prova da minha vontade!

E renuncias a todas as suas obras?
Sim, renuncio a tudo. Tudinho. Até porque dar cabo do Blogo-Satanás é minha responsabilidade, foi para isso que fui contratada pelo blogomundo, está especificado na cláusula sétima do meu contrato de trabalho. As minhas funções - High Level Blog-Surveillance - são as de pôr termo à profusão desenfreada de posts que caem fora das unwritten rules. Sou uma espécie de robocop e prometo  tudo fazer para danificar as estruturas da obra satânica por forma a garantir o colapso do edifício.

E renuncias a todas as suas seduções?
Sim, renuncio. Se não acreditam, façam-me já aqui um exorcismo, tragam-me resmas de alhos, arranquem-me os olhos, tudo menos voltar a ser tentada . Renego-te para a eternidade! Ouviste Satanás? Não mais me deixarei seduzir!

Renunciais ao pecado, para viverdes na liberdade dos filhos dos Blogo-Deuses?
Sim, renuncio. Prefiro a tortura, que Satanás se vire contra mim e me dedique inúmeros posts maléficos, tudo menos aquela coisa ignóbil de ignorar aquilo que não me interessa ou com que não concordo, que isso é pecado capital. Mas agora que vi a luz, prometo, para me regenerar, que passarei a dar aulas de blogocatequese, ensinando aos novos bloggers a Oração da Renúncia e levando o estandarte da Blogosfera até à terra Santa, com vista a obter um bom lugar no blogo-paraíso.

Renunciais às seduções do mal, para que o pecado não vos escravize?
Sim, renuncio. Encabeçarei uma cruzada, passarei a irromper pelos posts com que não concordo de dedo em riste e lápis azul em punho, riscando tudo aquilo que não aprovo, até à última vírgula, até porque, de acordo com a alínea c) da cláusula sétima do meu contrato de trabalho, fui designada por Deus para esse efeito.

Renunciais a Satanás, que é o autor do mal e pai da mentira?
Sim, renuncio e renego já três vezes de seguida. Renego, renego, renego. Aqui e agora, perante todos! E se tudo o mais falhar, prometo irromper pelo blog satânico armada com uma kalashnikov, rátátátátá, ou com uma bomba atada à cintura e faço explodir aquilo tudo. Ou um avião, também posso ir com o avião. Não mais serei acusada de conivência e passividade, a minha vida será dedicada à luta contra o blogo-mal, agora e para sempre. Ámen.

É que, afinal, parece que as fortes e imaginárias correntes de ferro que percorrem os inexistentes bastidores do blogomundo e que são detidas pelos anarquistas responsáveis e por aqueles que professam a blogo-liberdade,  me aconselham de forma enérgica a que eu aqui faça esta declaração de princípio. 

Agnus Blogo-Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.




sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Oh pah... porquê?




Já pequena Cutxi...

 cansada de implorar um queijo pendurada no frigorífico, resolveu mudar-se definitivamente lá para dentro


Reparem no ar indignado de cada vez que abrimos a porta e a importunamos



E o deleite com que olha seus queijos?


Que amoooor!



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Ah e tal, mãe, não te preocupes, eu faço a bainha e levo-te já tudo pronto, é só vestires



Glup. O tecido é elástico...

(mas não te preocupes, mãe, estou a esforçar-me imenso!)

As perigosas aventuras do pão de véspera

A situação começou a tomar forma há mais de um ano. É que aquela família praticava o terrível pecado de só gostar de pão do dia, ainda crocante e com o miolo morninho, pelo que o pão que sobrava do dia anterior era dado à empregada, já que, apesar de pecadora, a família não era estragadona e o pão, apesar de não estar tão bom como o do dia, estava bem bom para torradas. Acontece que a empregada, eternamente em dieta, não o queria, mas como também não gostava de estragar alimentos, embrulhava-o muito bem embrulhadinho num saco transparente e punha-o em cima de uma mesa, no logradouro do prédio. Era aí que a porteira, e aqui não se se lhe deveria chamar porteira se Mata-Hari, já que o seu ofício, mais do que zelar pelo prédio, passava por espiar através do óculo da sua porta as entradas e saídas de todos os condóminos, informação que, estou convencida até hoje, apontaria num caderninho de capa preta para mais tarde analisar e daí extrair as mais intrincadas conclusões, mas como ia dizendo, a porteira, num dos intervalos das suas espiadelas pelo óculo, lá arranjava um minutinho em que o elevador serenava e as portas dos apartamentos se aquietavam para, num pulinho, ir até ao logradouro resgatar o seu meio pão de véspera.
E tudo corria bem naquele prédio onde reinava a paz e a felicidade.
Acontece que um dia em que a porteira já sonhava com as suas torradinhas fumegantes, o pão desapareceu. E no outro voltou a desaparecer, e a situação voltou a ocorrer uma terceira e uma quarta vez e foi assim que a porteira, dividida entre as suas obrigações com o óculo da porta da frente, começou a espiar também as traseiras do prédio. Imagino-a esbaforida ao mínimo ruído, correndo dentro de sua casa, da porta da frente para as traseiras, das traseiras para a porta da frente, determinada que estava a deslindar o estranho caso do desaparecimento do pão de véspera. Claro está que, como excelente porteira que era, um exemplar dos mais clássicos, com uns grandes óculos de hastes doiradas que tudo viam, rapidamente deslindou o terrível enigma que assolava aquele prédio. Descoberta que rapidamente confidenciou secreta e separadamente a todos os condóminos, começando a frase com “isto é só a gente aqui a falar, mas…” e desembestava por ali fora, descrevendo, indignada, a nefasta situação. E, de acordo com a sua versão, parece que o meio pão de véspera estava a ser desviado da sua rota pela senhora do quinto direito, que abandonava por momentos a sua casa atapetada com os mais belos Arraiolos, os seus móveis cobertos das mais ricas pratarias e as paredes obscurecidas com óleos dos pintores mais afamados, descendo, pé ante pé, lá de cima, pelas escadas de serviço, para se apoderar do meio pão que em tempos pertencera à tal família, que o deu à empregada, que por sua vez o doou à porteira para, finalmente, ir parar às garras da senhora do quinto direito. Claro que aquela era a tempestade perfeita, gerou-se logo ali uma guerra sanguinária pela posse do meio pão de véspera, estavam as duas à coca, cada uma na sua janela, disfarçadas por umas plantas frondosas estrategicamente colocadas nos parapeitos, à espera do momento em que a empregada da tal família aparecia com o meio pão, para rapidamente se movimentarem como peças experientes num tabuleiro de xadrez, por forma a garantirem a primazia na chegada ao objectivo. E foram travadas várias batalhas, que a porteira, dada a proximidade da sua casa com o logradouro, se encontrava a ganhar numa proporção de dez para oito, e disso mesmo dava nota secreta aos vários condóminos. Mas isto já se sabe, ganhar uma batalha não significa ganhar a guerra e foi então que a senhora do quinto direito, não desarmando e depois de engendrar uma sofisticada estratégia, resolveu ir pela escada principal, bater directamente à porta da tal família, ordenando à empregada que, a partir daquele dia, havia de ir deixar o pão que lhe sobrava na mercearia logo ali defronte, onde, aliás, ele havia sido comprado na véspera, que ela depois, quando lhe desse jeito, havia de ir lá buscá-lo.

E foi assim que aquela família, prevendo as consequências desastrosas da feroz guerrilha que se instalou no tal prédio, se viu condenada a devorar o pão na sua totalidade, até à última côdea mais dura.



quarta-feira, 23 de setembro de 2015

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Afinal as coisas já não são como eram

Uma donzela acorda de manhãzinha cedo, olha pela sua janela e vê uma névoa cinzenta e debotada a pairar ameaçadora sobre o blogomundo e sente-se invadida por sentimentos tristes e melancólicos, abre a sua alma torturada perante o vazio, pedindo ajuda divina, e, por sorte, um dos putativos príncipes blogosféricos que trotava alegremente na orla da floresta ouve o chamamento. O príncipe, cumprindo a sua missão, pega de imediato no seu sabre e abre caminho à espadeirada por entre a folhagem venenosa, corajoso enfrenta todos os perigos com que se depara, luta contra os animais mais selvagens e temidos, desembaraça-se das lianas mais traiçoeiras, tudo para chegar junto da donzela atolada no desânimo...
- E salva-a? perguntam vocês de olhos brilhantes e adivinhando o final feliz.
Ora, como eu ia dizendo, o príncipe chega junto da donzela, olha para ela do cimo do seu cavalo alazão e, quando esta estende a mão para que ele a ajude a levantar-se, o príncipe, sem largar as rédeas pergunta-lhe:
- O que raio estás tu a fazer aí nesse estado, toda desgrenhada e cheia de folhas no cabelo?! e virando costas, embrenha-se de novo na floresta e grita lá de longe, de entre a verdura, não contes cá com príncipes, trata mas é  de te levantar e de seguir o caminho por ti própria! Ouviste?!

E então a donzela  levantou-se a custo, sacudiu o seu vestido amarrotado, retirou as folhas do cabelo uma a uma e depois de uns minutos a recuperar do choque de se encontrar num conto de fadas dos tempos modernos, decidiu-se a procurar sozinha o seu caminho. Ainda lá anda, coitada, às voltas, à procura da saída.



Breve análise da situação blogosférica

Aconteceu não se sabe bem quando, mas a coisa deu-se quando se tornou praticamente impossível publicar um post sem que as consequências explosivas se fizessem imediatamente sentir, quando se puxava uma simples linha e o periclitante equilíbrio do edifício da blogosfera ameaçava colapsar. Os bloggers, agrilhoados uns aos outros por uma pesada corrente de ferro que atravessava os escuros corredores dos bastidores do blogomundo e que garantia que se um fosse empurrado para o abismo todos os outros cairiam por arrasto, entenderam que, tal como os políticos, tolhidos por uma intrincada teia de interesses e amizades e presos ao politicamente correcto, o mais seguro era deixarem definitivamente de arriscar, levando a que a produção blogosférica se ressentisse de tal forma que, pela primeira vez em séculos de história, tivemos um período de blogo-recessão. 
E esta situação iniciou-se há já muito tempo, sem que seja possível precisar uma data específica, sabe-se apenas ter sido num dia em que um manto de espesso nevoeiro caiu sobre o blogomundo, um nevoeiro húmido e pegajoso que enferrujou as pesadas correntes de ferro que nos prendem uns aos outros e que fez crescer cogumelos nos nossos posts, foram tempos aterradores, tempos em que os bloggers, parados no tempo, ficaram cristalizados nos seus blogs, publicando textos sem alma, numa tentativa patética de garantir que o mundo lá fora não nos esqueceria, mas o manto de nevoeiro leitoso não deu tréguas e a Natureza começou a tomar conta dos nossos blogs, terríveis trepadeiras subiram pelas pernas das nossas secretárias de moderno design, enrolando-se nos nossos teclados e engolindo a pouco e pouco os nossos computadores, enlaçando-se depois nos nossos pescoços e, devagar, sem darmos por isso, adormecemos todos durante cem anos. Agora? Agora aguardamos pacientemente que um corajoso príncipe se aventure por entre a folhagem da trepadeira venenosa que nos rodeia e nos salve de nós próprios.



segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Também gosto de ver as fotografias...


Agora a sério… o que é isto? (e para quê?!)

Depois a pessoa perde um bocadinho do seu tempo a ver a campanha eleitoral na televisão, com os candidatos a serem teletransportados pelo país a alta velocidade, tanto estão aqui como estão ali, uma espécie de número de ilusionismo, cu-cu, dizem os candidatos, que acabados de desaparecer em Trás-os-Montes, reaparecem uns segundos depois em Évora, sempre aos beijinhos às velhinhas, chuac-chuac, tantas velhinhas para beijar, é uma espécie de loucura colectiva, cada um a convencer-se a si próprio que o grande afluxo de velhinhas beijoqueiras é um sinal de vitória, uma espécie de barómetro dos resultados eleitorais, oh Paulo, quantas velhas despachamos hoje? P’ra cima de setecentas, diz o Pedro de olhos reluzentes, olha que o Costa hoje só deu vazão a quinhentas e trinta e oito que nós temos os nossos olheiros a contabilizar cada beijo. E os estrategas de Costa a incentivá-lo, vá força, tens de beijar pelo menos mais cento e sessenta e duas, e o Costa, de rastos, a lamentar-se, que é injusto, que eles são dois e conseguem beijar em dobro. E depois há os homens para abraçar, as máquinas agrícolas para escalar, os tejadilhos dos carros para trepar, batas plásticas para vestir, bonés para enfiar na cabeça, tanto aparecem num cenário de feira, como de campo, como nas ruas das mais diversas cidades, são transportados ao alto, em braços, como os santos nos andores, devorando especialidades da doçaria nacional, bebendo copinhos de vinho, consultando os menus dos restaurantes e gritando hashtags inflamadas dos seus palanques improvisados, e as velhinhas sempre a rondar, só mais um, só mais um, pedem elas de boquinha esticada, e eles acedem, claro está, que cada beijo equivale a um voto. E isto já se sabe, a voto dado não se olha ao dente.




quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Vamos todos ajudar!




Depois de um Verão sem patas a medir com tanto trabalho, em que saltava da cama logo pela fresquinha para interagir com os veraneantes, obrigando-os à prática desportiva do lançamento da bola, Canis, tal como muitos autóctones do Reino dos Algarves, encontra-se agora desempregado. Envia-se CV a quem o quiser contratar. Adiantamos desde já que, mais do que um cão, estamos perante um verdadeiro PT, dos mais experientes na apanha da bola e no transporte/furto de garrafões.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Sete coisas em que só eu reparei nesta fotografia

Depois de muitos anos a ser vilipendiada e injuriada por uma turba internética sedenta do sangue mais puro, e a ser, e vamos lá chamar as coisas pelos nomes que nestas coisas é importante não ter medo das palavras, vítima de hair-bullying, achei que era tempo de pôr termo a esta situação. Foram anos e anos a ver a beleza do meu cabelo a ser arrastada pela lama mais peganhenta, sendo que, nos dias mais negros, cheguei inclusivamente a ser acusada de ser a guardiã da peruca-cogumelo da tia Lili. E foi depois de quase sucumbir a uma profunda depressão com tamanhas maldades que foram proferidas sem cuidar que, deste lado, se encontrava uma pessoa-humana (e não, como alguns pensaram, uma pessoa-desumana) que, qual Fenix blogósférica renasci das cinzas para exibir perante vós um dos mais belos, senão mesmo o mais belo, cabelo do Blogomundo. Ora analisemos esta fotografia objectivamente.

1- É um cabelo liso, porém arrebitado;
2- Um cabelo que abre num risco perfeito, dois terços para um lado, um terço para o outro;
3- Uma franja que não é bem uma franja, mas uma farripa moderna que emoldura o rosto (também ele muito belo);
4- Uma cor base que se percebe ser das mais interessantes em termos de cabelo;
5- Um corte em estilo Bob, extremamente em voga nos tempos que correm;
6- Uns reflexos que, com o seu brilho, chegam a encandear os mais incautos;
7- Não há como negar, é sem dúvida o mais belo cabelo do Blogomundo.


Posto isto, julgo ser chegada a altura de passar esta experiência para livro, para ajudar outras mulheres, mães, amigas e profissionais que, como eu, passaram por uma situação idêntica.



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

É oficial, sou uma pessoa do século passado

Tal qual como nos primórdios, em que a minha bisavó Francisca ia compor o penteado e o rouge para receber aqueles senhores tão simpáticos que vinham todos os dias fazer aquela visita no ecrã da televisão, e ficava muito indignada se o meu bisavô não se sentava muito direito na poltrona, o que é que os senhores da televisão hão-de pensar se te vêem aí todo curvado?! Tal qual como aquela criadita que veio da Beira Baixa e que nunca tinha visto a luz eléctrica e o meu tio-avô conluiado com um amigo e aproveitando-se da ignorância da rapariga, vinha para a sala de jantar e batia as palmas –clap, clap - ao grande lustre por cima da mesa, e as luzes apagavam-se, estás a ver?, dizia ele à criadita, tens de fazer assim! - clap, clap - e as luzes acendiam-se, tudo isto enquanto o cúmplice, lá atrás, acendia e apagava as luzes no interruptor, e depois a criadita passava os dias seguintes batendo as palmas ao lustre a tentar, em vão, acender e apagar as luzes, assim sou eu com a Playstation, eu que julgava que aquilo não passava de um Game Boy mais sofisticado, afinal percebo que é um objecto do demo, que há pessoas dentro da Playstation e que se fala de cá para lá e de lá para cá, eu que muito esperta e expedita proibi o facebook, que essas redes sociais são muito perigosas e sabe-se lá quem está do outro lado, quando forem mais crescidos logo se vê, percebo agora que estive tão concentrada a barricar a janela, que me distraí e deixei a porta totalmente escancarada. E depois sento-me no sofá e fico olhar para aquilo com olhinhos bovinos, para aquela tecnologia incompreensível, enquanto vejo o meu filho de phones nos ouvidos, comando na mão e a fazer-me sinal com a mão para não fazer barulho, a falar português do brasiu com sótaque paulista do interior, como quem tem uma baátáta quntje ná boca, enrolando a língua nos erres, “galera, eu estou indo para os confluxos (?) e vou ficair na izquerrda . Morilo ôce já feiz à raids? Eu tou indo ter com ôce, o que ocê tem dje fazeir é entrar nessa pláca. É, eu tou vendo, o cara ganhou no dragão ontem quando fez o ateôm (?), ô Neto, convida ocê que ele não é meu amigo na Playstation, Caraca! Tou perdendo minha pláca. E aí Ártur! Depois muda repentinamente para português de Portugal Francisco, preciso de cobertura, rápido! e depois outra vez em portuguêis do brasiu, tá abrindo, tá abrindo agóra. Ocê já passou?! É um bugue! Isso tá tudo bugado, isso é ruím, eu estou usando a shotegun pôrque a minha esniper não é boa. Môrri! Vá todo o mundo se joga, todo o mundo morrendo! Ô galera, ô galera, tou sem munição! Tou zoando, tou zoando.” E eu ali fico, sentada no sofá, muito direita, sem dizer uma palavra, não vão os senhores que estão dentro da Playstation e que ouvem tudo o que se passa na minha sala, dar pela minha presença… e depois, hã, uns senhores tão simpáticos... o que é que eles iam pensar se me viam para ali tão baralhada?!



sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Os sarrafos mágicos

Desde o princípio que os senhores das obras desconfiaram da minha presença, punham os ombros para trás, barriga para a frente e cruzavam os braços por cima do colete fluorescente, para aumentar a distância entre nós e deixar bem marcada a barreira que nos separava, e depois falavam-me de viés para não me olharem de frente, dando-me o desprezo que eu bem merecia por andar ali metida onde não era chamada. Pareciam-me sempre umas tartaruguinhas a a espreitar de dentro da casca, a cabeça de lado, olhar de soslaio, qu'é lá isto, uma mulher aqui nas nossas obras?!, onde é qu'isso já se viu?!, que isto, já se sabe, é assunto de homens de barba rija. Mas ia eu dizendo que, enquanto me olhavam de soslaio lá apareceu uma maldita dúvida sobre um muro numa extrema, se é para ir abaixo ou não, e os senhores trocavam olhares interrogativos entre si e perguntavam-me "então e o marido da senhora?, talvez quando ele vier cá possa decidir...
- Não, não... ele não vem cá que é alérgico ao pó, tem mesmo de me explicar a mim...
E os senhores das obras respiraram fundo, ganhando coragem para explicar aquelas coisas difíceis a uma pobre senhora cuja capacidade de entendimento está naturalmente limitada por questões cromossomáticas, nomeadamente pela nefasta ausência do cromossoma Y, e foi exactamente quando nos dirigíamos a uma janela para ver o tal muro, que passamos por três homens a demolir um dos pavimentos e eu vá de perguntar:

- Olhe lá, é seguro eles andarem ali em cima daqueles sarrafos? 

E de repente eles pararam, surpreendidos com tamanha sabedoria e precisão de linguagem, uma expressão de surpresa na cara, a boca aberta com os cantos virados para baixo, o queixo recuado, acenando um "sim senhora" com a cabeça, como quem diz "olá...?! De onde é que isto veio?!", olharam de mim para os sarrafos e dos sarrafos para mim, as estrelas alinharam-se no firmamento e fez-se a magia. Ah, afinal a senhora percebe disto... oh Ti Manel traz lá as tábuas para pôr aqui em cima dos sarrafos e riram-se uns para os outros muito cúmplices, e a partir desse momento passaram a tratar-me por engenheira.



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Era um debate?

Pensei que fosse uma sessão espírita, tantos os fantasmas do passado que foram invocados...

Mais estranho do que ver alguém a tentar afanosamente construir uma determinada imagem, é ver os outros a comprá-la

Mas acontece tantas vezes, ali debaixo dos nossos olhos, o jeitinho com que se vão polindo umas arestas, primeiro devagarinho, disfarçadamente, depois, quando não estamos a olhar, com uma polaina, à bruta, para retirar o que não interessa, como uma cobra que tem de deixar a sua pele, depois vai-se pondo um tijolo aqui, outro ali, uma janela com bonitas cortinas onde antes estava uma parede cega, enterrando o que não interessa, de forma dissimulada, com a ponta do pé, grão de areia seguido de grão de areia, até que determinadas coisas fiquem definitivamente longe da vista, depois dá-se um primário, uma demão de tinta, seguida de outra, retiram-se as fitas isoladoras e, de repente, do nada, surge-nos a mais bela borboleta jamais vista. E o construtor de imagem acredita piamente na personagem que criou, comove-se com a sua borboleta colorida, emociona-se com as suas novas qualidades, crê em si de tal forma que, qual número de ilusionismo, faz com que os que estão à sua volta acreditem que aquilo é real, apesar de todos os indícios nos dizerem o contrário, do sexto sentido acender a luz vermelha e do alarme disparar. Eu. Eu é sempre a imagem de marca do construtor de imagem, Eu sei. Eu sou. Eu faço. O construtor de imagem faz questão em falar sempre na primeira pessoa do singular e de embrulhar o “Eu” numa letra maiúscula. Depois é ver os crédulos a comprar, e o mais estranho é que compram, como numa loja no primeiro dia de saldos, e nós ali sentados no provador, a olhar em volta e a perguntar se seremos os únicos a ver aquilo, à espera do momento em que a máscara escorrega da cara como um papel de parede mal colado, como uma mala de viagem no regresso a casa, daquelas malas que só fecham quando alguém se senta em cima da tampa, daquelas repletas de roupa amarfanhada, uma mala tão cheia que, mal se carrega no fecho, explode violentamente, espalhando os fragmentos da personalidade inicial por todo o lado.



terça-feira, 8 de setembro de 2015

De seguida estou a pensar instalar uma cozinha toda branca na Sala das Bicas



Por exemplo, uma das minhas primeiras medidas vai ser a de pintar o Palácio de Belém de Amarelo Neuza


Depois de um dia de intensa reflexão percebi que era altura de quebrar o tabu

Decidi que, pelo bem do blogo-mundo, era minha obrigação moral candidatar-me à Presidência da República. Agradeço desde já a incrível vaga de fundo que me obrigou a avançar e que está pronta para me levar em braços nas diversas acções de campanha que temos já agendadas, permitindo-me assim beijar inúmeros velhinhos e criancinhas sem me cansar. Agradeço ainda aos senhores que me seguem para todo o lado, rodeando-me para parecermos muitos, acenando com as suas bandeirinhas sempre que saímos para uma das nossas arruadas, aos marketeers por este incrível cartaz, o primeiro de muitos, um trabalho sério e que inspira confiança no eleitor (tive, aliás, um feed back incrível por parte da população que, só de olhar, já alterou o seu sentido de voto) e àqueles que ficam especados atrás de mim com um sorriso seráfico e a acenar que sim com a cabeça sempre que falo para a televisão, dando assim uma inaudita credibilidade às minhas inteligentes tiradas. 




A partir de hoje, já sabem, Palmier vai ser a vossa melhor amiga e está pronta para, com voz calma e pausada, porém entusiasmada, acompanhando o seu discurso com gestos firmes das suas mãozinhas, gestos de quem tem o indicador e o polegar colados um ao outro com super cola 3, vos prometer tudo aquilo que quiserem!



Não hesites, vota Palmier! Com Palmier em Belém, ninguém se abstém!




domingo, 6 de setembro de 2015

E porque é que ainda não disseste nada sobre os refugiados, Palmier?

Porque apesar de achar que as pessoas que fogem da guerra e da morte com os filhos às costas e de estômago vazio devem ser ajudadas, acho que isto é bem mais complexo e até bastante inteligente, que lá os tais terroristas façanhudos do ISIS sabem bem como é que nós aqui na Europa reagimos, as tensões que existem, os medos que se instalaram nas nossas cabeças, e perceberam que afinal não precisam de vir cá pôr (tantas) bombas, basta usarem os seus compatriotas como arma de arremesso, proporcionar-lhes a travessia e enxotá-los como moscas moles para as costas da Europa, fazendo-os deambular como os zombies do The Walking Dead pelas nossas estradas bem asfaltadas, que nós cá, à conta dessa visão macabra de pobreza extrema e indignidade, nós que estamos habituados a uma pobreza civilizada e cortês, nos encarregaremos de nos zangarmos uns com os outros, basta olhar para a tensão entre a facção dos humanitários que já estão ali na fronteira, mão em pala sobre os olhos, prescrutando o horizonte, à espera do primeiro Sírio que apareça, para o poderem instalar em sua casa e aconchegar-lhe os cobertores ao cair da noite, e os outros, os que se apressam a construir muros de betão e barreiras de arame farpado, que os querem a todos daqui para fora, como se se tratassem de portadores de um ébola cultural pronto a infectar os alicerces da nossa sociedade cristã.




sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Depois do Risco de Joana...


Para quando o Enigma de Paulo


O varoufakis que há em Jerónimo


Pedro a seus pés


e as Rosas de Costa



Sei lá... uma ideia tão boa e tão poucos a aproveitá-la...



A Dona Feliciana e as duas aranhas grandes e pretas

A Senhora Dona Feliciana veste de preto integral, que desde que o marido lhe morreu a cor da roupa condiz-lhe com o coração, e isto apesar da irmã mais nova, má como as cobras, a enxovalhar diariamente, perguntando-lhe de forma insolente porque não veste outra roupa. Ora, porque esta é a minha roupa, não é verdade senhora doutora?, da cor do meu coração! Diz a Dona Feliciana convicta. A Dona Feliciana vive há sessenta anos numa casa arrendada que detesta. Detesta a casa mas, mais ainda, detesta a Senhoria, ai senhora doutora, nem imagina, aquela mulher é uma ci-ga-na, e diz isto com verdadeiro ódio, sibilando cada palavra, quase consigo ver a língua bifurcada de cada vez que fala na senhoria, faz-me  a vida negra, da cor do meu coração, só quer saber de fazer obras no primeiro andar e no meu, nada! Na-di-nha! E desde que lá puseram aquele restaurante por baixo, tenho a casa a tresandar a refogado desde as nove da manhã! Até se me esqueceu de como é que se cozinha, logo eu que fazia umas comidinhas tão boas. E com olhos sonhadores relembra as comidinhas que fazia mas de que já não se lembra. Mas, Dona Feliciana, porque não compra uma casinha, ou, se não quiser gastar muito dinheiro,  arrenda… e ela afasta essa ideia com a mão, como se fosse uma mosca, nã, nã… já não vale a pena, já não vale a pena…. se eu pudesse, diz muito séria, com uma expressão de devaneio no rosto emoldurado pelo cabelo de plix roxo, tinha era uma televisão no quarto. Mas, Dona Feliciana, compre uma televisão! Ah, senhora doutora… não cabe! Sabe lá, eu para passar daqui para aqui, e faz gestos com as mãos explicando a disposição dos móveis, tenho de saltar por cima da cama! Mas Dona Feliciana, agora há umas televisões fininhas, que se penduram na parede, como um quadro. Se quiser arranjamos alguém para lhe tratar disso. Ah, senhora doutora, não cabe, não cabe… e vê-se a expressão desconfiada com a ideia de uma televisão fininha que parece um quadro.

A Dona Feliciana que sempre fez contas à vida e nunca gastou um tostão a mais, chegou aos oitenta e nove anos com um bom pé-de-meia, mas esse pé-de-meia, ao invés de lhe proporcionar bem-estar e alegria, causa-lhe as maiores apoquentações. Pior, é um drama, um sofrimento, uma angústia! É que a Dona Feliciana vive apavorada com as meninas dos bancos. Que a querem enganar! Ora é a do banco verde que lhe diz que havia de pôr lá o dinheiro, dê-me lá uma ajudinha, Dona Feliciana, que a gente aqui precisa mais do que os outros, ora é a do banco vermelho que lhe telefona a dizer que ela já não aparece há muito tempo, venha cá fazer-nos uma visita, e a Dona Feliciana, que enquanto o marido era vivo nunca tratou destas coisas, veste-se a correr para ir imediatamente prestar a visita para que foi requisitada, vem pela rua fora, esbaforida, entra no banco vermelho às escondidas da menina do banco verde, do outro lado da rua, e no banco verde  às escondidas da menina do banco vermelho, não vão as meninas dar conta da infidelidade da Dona Feliciana, que aí é que estava o caldo entornado e lhe davam sumiço ao dinheiro. Cada vez que recebe uma carta do banco é uma agonia, é desta que me levaram tudo, vem com o papel na sua pastinha preta para mostrar. Não Dona Feliciana, esteja descansada, não é nada, está tudo bem, ai senhora doutora, que grande aflição! A minha vida é um verdadeiro terror, um terror!, diz a Dona Feliciana olhando para o extracto bancário sem nada perceber, parece que estou dentro de uma teia de aranha, feita por duas aranhas grandes e pretas e não consigo de lá sair! 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

E então, Palmier, qual foi a primeira coisa que fizeste assim que chegaste a Lisboa?





Fui ver a Grande Obra, evidentemente.

Infelizmente não vi o meu amigo, o senhor José Carlos, pelo que não me pude aventurar no interior. Sei no entanto, pelos relatórios da fiscalização, que, apesar de, do último andar, já só restar a fachada, a obra vai atrasada. Que já devíamos ir mais adiantados, mas que o Verão, já se sabe, é mau para estas coisas das Grandes Obras. E uma pessoa até fica perplexa... uma obra atrasada? A sério? Não contava nada com isso... :)