O supermercado estava cheio, os corredores apinhados, as prateleiras todas desarrumadas, tudo a apanhar as últimas minis e a lutar pelos últimos peixes enterrados no gelo, com os olhos baços e gelatinosos. Uma espécie de armageddon alimentar ali entre as latas de atum e as de salsichas, mas mesmo assim persistimos, eu e a minha filha, em contra-corrente por ali fora, a evitar um carrinho veloz, a saltar por cima de um cesto a transbordar, agarrando as nossas coisas contra o peito, não fosse alguém surripiá-las à má fila. E depois, bem, depois chegámos às caixas para pagar, só havia umas quatro ou cinco abertas, as filas gigantes arrastavam-se até ao infinito, os carros a deitar por fora, os corredores em redor todos entupidos, e nesse momento eu lembrei-me que queria um melão. Tinha de ter um melão. Era imprescindível comprar um melão. Assim, enquanto a minha filha ficou na fila eu atravessei o supermercado de uma ponta à outra, por entre carros despistados, filas desordenadas, pessoas sentadas no chão, pedindo licença a toda a gente, dá-me licença, dá-me licença, até que peguei no meu melão e iniciei o percurso inverso. O pior foi quando cheguei ali junto da caixa seis, eu com o meu melão no regaço, pedi licença a um senhor e ele nada. Não se afastava nem reagia. E eu voltei a pedir licença porque era impossível passar de outra forma, que os carros estavam todos juntos uns aos outros, não fosse alguém intrometer-se na fila e ficar-lhes com o lugar, as pessoas com cara de facínoras, prontas a atacar um qualquer fura-filas imaginário, e o senhor nada. E eu voltei a insistir, dá-me licença?, e ele então gritou-me, mas gritou-me mesmo muito alto: não vê que o corredor é ali?! Ali? Disse eu assustada, ali onde? Ali, dizia ele, enquanto apontava para o sítio onde os carrinhos se colavam uns aos outros impossibilitando a passagem da formiga mais afoita. Foi então que eu e o meu melão ficámos ali, encurralados, os dois a tremer de medo, nem para a frente nem para trás, e teve de se iniciar uma gigantesca manobra de marcha a trás de todos os carrinhos daquela fila, porque aparentemente naquele sítio em que o senhor se encontrava não era corredor.