terça-feira, 13 de outubro de 2015

Café com açúcar

Ainda tenho lá em casa o tabuleiro do café de casa da minha avó, o tabuleiro que ia para a sala depois do jantar e que se pousava em cima da mesa mais alta de um grupo de três mesas que se encaixavam umas por baixo das outras, eram umas mesas de madeira com os tampos cobertos com uma folha metálica dourada, com uns pregos de cabeça redonda a fazer uma espécie de capitoné, e o tabuleiro era um daqueles tabuleiros com a base em espelho desenhado, com umas flores e umas folhinhas brancas, as asas de osso e rebordo de madeira. Por cima, um pano bordado para esconder o espelho que estava rachado. E depois a minha avó servia as xícaras que entregava a cada um dos adultos e eu ali estava, sentada ao lado dela, nas senhorinhas cor-de-rosa velho, "cuidado que o café está muito quente", dizia ela, e eu ali ficava, muito quieta, a sentir o cheiro do café, que era tão bom, à espera que a minha avó pusesse o açúcar, e eram duas colheres cheias de açúcar que ela punha no café, e aquilo ficava mesmo docinho, quase um caramelo. E depois de mexer com as colheres perfeitas, que ainda tenho duas e que são as minhas colheres de café favoritas de todos os tempos, perfeitas também para comer iogurtes, tamanho perfeito, cabo lisinho a terminar em linha recta, daquelas que quando se levam à boca não sabem a metal, mas dizia eu, que estava ali à espera que ela mexesse o café, tlinc. tlinc. tlinc, para, antes de o beber, me dar uma colherzinha. Café só bebo com açúcar. Aprendi com a minha avó.

13 comentários:

  1. Isto é um post muito pernicioso. Como está essa glicémia?

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  2. Branca Clara das Neves Leite13 de outubro de 2015 às 13:33

    Ou da previsibilidade das não questões. O fio da navalha da observação passiva. O requinte da eloquência das palavras dúbias. A Palmier nunca desilude. Já pensou numa carreira politica?

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  3. :)
    (Oh... Obrigada,Palmier.Agora lembrei-me da unha avó, pequenina, magrinha, frágil, metro e meio de senhora que não chegava aos quarenta quilos, um verdadeiro pisco a comer, tudo lhe caía mal, tudo a indispunha, lhe trabalhava no estômago, como dizia. O café forte era um deles.Só bebia chá, de tília ou cidreira, perfumes que hoje me transportam até ela. Nesse chá dissolvia sempre um melhoral, porque não os conseguia tomar inteiros com um copo de água, a água fria indispunha-a. O melhoral era amargo que só ele, por isso adoçava sempre o chá com três generosas colheres de açúcar. Os médicos estranhavam que uma senhora tão frágil tivesse vivido tantos anos, sobretudo os que conheciam a dieta que inconscientemente se impôs. Todos não, um deles, o seu confidente e que quase semanalmente lhe fazia "um domicílio", não tinha dúvidas, foi o açúcar que pelo menos três vezes ao dia colocava no chá que a manteve connosco tantos anos.)

    Gosto do meu amargo. Não tive uma avó que me ensinasse a adoçá-lo.

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  4. Gosto muito destes posts. Mas este tem um gostinho mais adocicado que os outros, quase me dá vontade de passar a adoçar o café...

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  5. Por acaso é-me impossível beber café com açúcar! Completamente impossível!
    Café para mim é cheio em chavena gelada!

    Às vezes quando quero ser auto-indulgente, é o Café cheio em chavena gelada no qual derreto um quadradinho de chocolate preto com, pelo menos, 85% de cacau e com uma leve pitada de canela...

    Mas é raro!

    :)

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  6. Café, para mim, é forte e sem açúcar!
    Mas adorei este café, também eu, sentada na sala da sua avó, a bebê-lo doce como caramelo!!
    Post deliciosamente escrito!

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  7. Fez-me lembrar a casa dos meus bisavós.

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  8. http://www.huffingtonpost.com/entry/black-coffee-psychopath_561baf08e4b0dbb8000f150f
    E assim ficamos a saber que não tem tendências psicopatas, só aspirações a presidentA. Quando anuncia a sua candidatura oficial?

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  9. Eis que, na ausência das nossas próprias avós, gera-se uma entidade maior, a que chamarei simplesmente a Avó, que em si reúne todas as avós numa só, de forma a que qualquer memória de qualquer neta ou neto deste mundo, seja sentida como alimento emocional para todos nós que já nos encontramos nessa orfandade. Obrigada pelo café docinho, soube mesmo a caramelo. :)

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  10. Pipocante Irrelevante Delirante13 de outubro de 2015 às 23:07

    chavena quente
    Sem açucar

    Nem há outra opção.

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  11. oteu texto fez-me lembrar o cheiro a « pensal» na cozinha do meu avô durante as minhas ferias .... em crianças... são cheiros e momentos que me fazem regressar à minha infância.
    Obrigada Palmier por nos dar esses textos.
    Lili

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  12. Antes nao conseguia beber o café sem açucar e tinha uma amiga que bebia sem, mas mexia sempre!! :) pancada??
    Hoje eu nao consigo beber com acucar e não é que tambem tenho a pancada de mexer sempre?! lol

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