Mas, depois, escrevi isto e, agora, estou com vergonha de enviar... mando? Não mando?
Foi nas Dxxxxx que percebi que o tempo existia. Que os anos se sucediam por ordem numérica e que, a seguir a 1978, aparecia, como que por artes mágicas, o ano de 1979. Até essa altura, não me tinha apercebido de tal fenómeno. Lembro-me de escrever (ou de alguém escrever por mim) a data no verso dos desenhos e do choque que me provocou a mudança do ano de 1978 para o ano de 1979. Lembro-me de mais coisas desses tempos. Lembro-me de ter aprendido a ler com a Mxxxxx. De termos lido, de uma ponta à outra, o livro "A Rita e o chapéu-de-chuva". Lembro-me de, no fim, ter antevisto a responsabilidade que ia ter daí para a frente e de ter pensado que era mais sensato refutar aquele conhecimento que, seguramente, me ia dar muito trabalho. No fim, e à cautela, avisei a Mxxxxx: "Mxxxxxx... olhe que eu li mas... eu não sei ler!" Lembro-me como se fosse hoje. Estávamos sentadas numa sala na parte de baixo da casa da Rua xxxxxxxx que era, na altura, a casa das Dxxxxxxx. Sentadas numa mesa de fórmica verde. Também me lembro de como a Mxxxxx era alta, enorme, gigante! E magra. A Mxxxxx era muito alta e muito magra. Usava calças de ganga à boca-de-sino. E, às vezes, era séria. Tínhamos um bocadinho de medo da Mxxxxx. Eu cá, pelo menos, tinha... Lembro-me de outros professores. Lembro-me da Margarida, que tinha um sinal na cara. Lembro-me da Fafá, mas não faço a menor ideia do que me ensinou. Também me lembro da Patrícia, da D. Andreia da secretaria, do Senhor Manuel da carrinha. Lembro-me do Ricardo e, claro, do João, que nos ensinava matemática como se a matemática fosse um Corneto de chocolate pronto a ser saboreado. Lembro-me que tínhamos um plano de trabalho para a semana e que podíamos decidir como e quando fazíamos os trabalhos que nos tinham sido distribuídos. Lembro-me de chegar, muitas vezes (se calhar foram poucas, mas causaram impacto suficiente para me parecerem muitas), à Sexta-feira à tarde com tudo por fazer. Lembro-me de um dia em que, sentada no chão da sala onde aprendi a ler, me ter apercebido que não sabia fazer contas de dividir. E de aí ter passado o que para mim foram horas, com aquelas peças de Lego da base 10 a tentar desvendar o enigma da divisão e de, já tarde (sei que era tarde porque estava escuro), a Mxxxxx ter entrado e de eu ter chorado. Chorei porque não sabia fazer contas de dividir e, pela primeira vez na vida, tive consciência da aflição que é não saber alguma coisa. Lembro-me da Mxxxx se ter sentado no chão e de mas ter ensinado. E de eu ter respirado de alívio porque, afinal, não era assim tão difícil. E, nesse dia, aprendi duas coisas, aprendi a fazer contas de dividir e aprendi a pedir ajuda. Lembro-me dos pneus do recreio, de ter as mãos cheias de digitinta para fazer pinturas, da consistência dessa tinta, dos vestidos lindos com golas de renda da Mariana, de, já mais crescida, jogar ao bate-pé nuns bancos de pedra à frente da janela da sala de professores (pelo que, presumo, não fosse uma coisa muito hard-core). Das idas ao Pinhal. De subirmos aquele monte em frente à escola a gritar como índios, do cheiro a verde, das pinhas, das corridas, do cansaço. De entrarmos, depois, pelo ginásio. Do cheiro do ginásio. Dos cabides com etiquetas com o nosso nome. Do tipo de letra com que os nossos nomes estavam escritos nessas etiquetas. De dar um beijinho na boca ao Gxxxxxxx ao pé do tanque da lavandaria. De ficar ofendida com o Jxxxxxxx por me pedir para lhe coser um botão da camisa quando ele, tal como eu, tinha aprendido a fazê-lo nas aulas de trabalhos manuais. Dos ovos mexidos com salsichas. De irmos buscar o almoço à cozinha e de trazermos as travessas e as terrinas por aquelas escadas estreitinhas. Do cheiro dos copos de plástico ao lanche, do pão com manteiga. Do dia em que à tardinha, quase noite, eu fui a Julieta. Eu... a personagem principal. E como estava contente... Lembro-me que no fim a minha mãe, na assistência, largou o cão que tínhamos na altura e que ele, com as unhas, me rasgou o vestido de papel azul-escuro com mangas cor-de-laranja. E esse terrível facto abre portas às coisas más que também me lembro. Lembro-me do dia em que eu fiz um desenho lindo. Mas era mesmo lindo. A folha estava toda pintada a caneta de feltro e eu estava orgulhosa. Era uma montanha verde, com casas e um bocadinho de céu azul. De o ter mostrado à Fafá (?) e de ela me ter dito que não se pintava "assim"... que tinha de ser com a caneta sempre na mesma direcção. Lembro-me de como fiquei desapontada. Como era possível não gostarem daquele desenho que estava tão bom. Lembro-me de ter feito uma redacção tão longa que demorou dias e dias a escrever e de, no fim, a lerem alto. Lembro-me que, nesse dia, percebi que devemos sempre reler aquilo que escrevemos porque, às vezes, não fica bem à primeira. Lembro-me de, naquela época do "povo unido jamais será vencido", organizar uma manifestação contra a redução do tempo de férias do Verão. Fiz um cartaz com uma cartolina e dois varões de cortinados. Mas, a minha manifestação não foi bem recebida na escola... houve uma reunião com os meninos e professores numa marquise, lá em baixo, junto ao recreio. Chorei. Nunca percebi porque se zangaram tanto. Afinal, era só mais uma manifestação. Também não gostava do pão com marmelada, de feijão-frade ao almoço, de fazer o pino ou a roda, nem da tabuada, que estou a aprender agora com os meus filhos.
E foi isto que aprendi nas Dxxxxxx e que me acompanhou no liceu, na faculdade e, agora, no trabalho e que quero muito que os meus filhos aprendam. Aprendi que, quando não sabemos fazer uma qualquer coisa (como, por exemplo, seleccionar alguns aspectos positivos ou negativos num questionário sobre a nossa passagem pelas Dxxxxxx), podemos fazê-lo de outra maneira... desde que o resultado seja o mesmo...
Ufa Palmier, muito linda a composição (mesmo). Quem diria que debaixo da Palimer cheia de humor irreverente estava uma Palmier sensível?
ResponderEliminar:)
Só faltava mesmo um desenho a ilustrar esses tempos de infância - feito a caneta de feltro ;)
Deu-me vontade de voltar ao colégio. Deve estar bom, muito bom.
ResponderEliminarAdorei. Gosto tanto das XXXX como tu gostaste e espero que os teus filhos venham a gostar. Claro que tens que mandar a redacção , lembras-te daquela que não querias levar e que depois fui lá eu leva-lá?
ResponderEliminarMande, mande!!!
ResponderEliminarAssim pudesse eu, mas nem nunca me foi pedido e as minhas memórias perdem-se num passado muito remoto.
Abençoado todo aquele que consegue guardar as belas recordações da infância. Mais tarde viverá recordando horas felizes que o tempo levou.
Lembro-me do meu colégio, dos livros que sempre ganhei sem nunca falhar nenhum, com que a minha adorável professora presenteava os bons alunos. Motivo de inveja para todos e extraordinariamente intrigante para mim que bastava-me ler uma vez para saber. Mas o que recordo mesmo é a minha indelével professora, linda de morrer e por quem eu me apaixonei louca e desvairadamente.
28 anos da mais completa formosura e meiguice, pelo menos para mim do alto dos meus nove anos. E meiga! O grande problema era o marido e eu pensava que este mundo seria muito melhor se esse desalmado não existisse. Pensei seriamente na melhor maneira de lhe dar sumiço, mas retraia-me saber que morria e como ela me ensinava que devemos ser todos muito bons uns para os outros, não queria ser-lhe desagradável.
Mas vingava-me e era o mais mal comportado da classe. Colocava moscas as quais arrancava as asas, nos cadernos das meninas, previamente mergulhadas no tinteiro, não fazia os deveres de casa, puxava os lacinhos cor-de rosa que enfeitavam os totós das meninas para elas chorarem e irem-se-lhe queixar; todas as judiarias possíveis e imaginárias deste mundo sempre na esperança que ela me desse umas reguadas ou me ralhasse, mas tudo inútil. Aliás, reguadas ela nunca as deu em ninguém. Na ocasião admirava-me muito que tivesse a régua ali à mão se nunca a utilizava, mas fazia tudo para a estrear porque queria mostrar-lhe uma altivez de Lord e lançar-lhe um soberano olhar de desprezo quando me castigasse com ela, mas, vã e inglória veleidade. Quanto mais mal me portava mais ela me acarinhava e mostrava-me aos outros como exemplo. E eu mais me apaixonava e, logicamente, pior me portava.
Quando a minha infernal conduta atingia raias de demoníaco, para me castigar obrigava-me a ficar sentado numa cadeira ao seu lado, na hora do recreio. Divinal castigo. Afinal havia Deus!
Claro que se até aí me comportava mal de vez em quando, mau e malvado comportamento passou a ser estado obrigatório em mim.
Recordações, tudo são recordações.
Obrigada Palmier!
ResponderEliminarPor momentos voltei a sentir todos os cheiros da minha escola!
Vi de novo a bata branca, branca da D.Olga e ouvi os ruídos da minha escola.
:)
Obrigada!
Que bonito de ler !!! Adorei !
ResponderEliminarAdorei!
ResponderEliminarMemórias que ficam no melhor tempo do nosso crescimento, a escola, mas qd lá andamos não da-mos valor.