quarta-feira, 14 de março de 2012

Facto histórico

Vovó era uma criança durante a Primeira República. Vovó vivia na Estrela e acompanhou, por isso, a agitação permanente resultante das sucessivas quedas de Governos. Nesse período (de 1910 a 1926) tivemos direito a sete parlamentos, oito presidentes da república e a 45 governos. Assim sendo, poucas pessoas houve que, durante essa época, não tenham sido ministros. Papai de Vovó (ou seja, bisavô) foi um desses milhentos ministros. Acontece que ser ministro nessa altura, não era coisa tranquila como é hoje. Era uma profissão ousada. Coisa para gente destemida e afoita, própria para pessoas que estavam apostadas a colocar em risco as suas próprias vidas e a sair (verdadeiramente) da sua zona de conforto. Isso porque a coisa acabava invariavelmente mal. Acabava, invariavelmente, na queda do governo e nas subsequentes persseguições dos seus membros. Assim aconteceu com bisavô. O Governo caiu e bisavô foi para casa triste e infeliz. Bisavô não mais era ministro da república. 
Como é obvio, a coisa não ficou por ali. Pouco tempo depois do Governo ter caído (tipo uma hora depois), entraram pela casa dentro vários polícias de baioneta em punho. Bisavô, homem atlético e de grande preparação física, saiu disparado pelas traseiras. Os polícias que sabiam que ele tinha entrado em casa, vasculharam tudo. E quando digo tudo, é mesmo tudo. O ponto alto da revista que fizeram à casa deu-se quando se dirigiram à cozinha, entraram na dispensa e começaram a abanar as sacas de batata que aí se encontravam. Não contentes, espetaram as suas baionetas nas sacas para se certificarem que bisavô não se encontrava aí escondido. Ficou famosa, para todo o sempre, a tirada da empregada (mulher corajosa) que, dirigindo-se àqueles polícias raivosos, disse:
- Espete, espete! Pode ser que o Sr. Ministro esteja aí escondido dentro de uma batata!



P.S.1- Bisavô escapou ileso.
P.S.2- Desde esse dia que política passou a ser assunto tabu para Vovó. 

6 comentários:

  1. Ena! Fogo, tens um passado histórico :D

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  2. Ahah escondido dentro da batata era uma verdadeira proeza.

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  3. Isto gente fina é outra coisa.. bisavô ministro da presidência heim... com pergaminhos na acção e combate político, e nos destinos da nação... muito bem! :)

    um pobre como eu só tem uma história triste para contar, relativamente ao nosso conturbado passado político pós monarquia, é um episódio mais recente, data de poucos anos antes do 25 de abril de 74, e diz respeito à prisão do meu pai pela PIDE, um cárcere que durou 4 ou 5 meses e deixou a minha em estado de desespero. e agora perguntas-me tu:

    - o teu pai era um activista político anti regime?

    Não, o meu pai era um indivíduo perfeitamente banal, não se metia em confusões, e tentava sempre passar despercebido. Queria apenas fazer o seu trabalho, que não o chateassem assim como não chateava ninguém.
    Naquele fim de tarde quando regressava a casa vindo da rua do arsenal (ministério da marinha onde trabalhava), ao entrar na rua nova do almada viu-se no meio de uma manifestação de sindicalistas ilegais, no preciso momento em que a polícia carregava sobre estes e fazia detenções.
    ...foi parar a caxias.
    ..no meio da confusão fartou-se de gritar que não tinha nada a ver com aquilo. Acho que do outro lado ouviu qualquer coisa como: "...pois, não tem você nem nenhum dos que estão aqui"

    levaram 4 meses para confirmar a veracidade das afirmações do velho.

    :(

    quando chegou a casa e disse à minha mãe que tinha estado preso todo aquele tempo em caxias, sabendo a minha mãe que ele não se metia na polítca, obviamente ia levando com uma marmita na cabeça.. levou muito tempo para a minha mãe tirar da ideia que ele não tinha tido uma amante...

    o trauma que lhe ficou impediu que provasse à minha mãe que efectivamente tinha estado preso aquele tempo todo, tinha medo de regressar ao local e voltar a ser engavetado, e vergonha de lá ir também..

    enfim, a luta anti fascista encerrou inúmeros dramas, vitórias, episódios heróicos... e alguns patéticos também..

    :)

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    1. Coitado... Que mau! Depois de ter estado preso (5 meses!!!) por uma coisa que não fez... ninguém acreditou nele. Isso é mesmo o cúmulo da ironia! Maman também teve uma história do género. Estando num local público com um amigo a experimentar uma caneta (fazendo rabiscos num bloco) foi tomada por uma espia a tomar apontamentos de conversas (secretas) alheias. Foi ameaçada com os calabouços mas (também ela) escapou ilesa...

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