sábado, 4 de abril de 2015

Os livros

A propósito deste post do Xilre, dei-me conta que sou uma terrorista, percebi agora por que razão, quando entro na Fnac, os livros se encolhem uns atrás dos outros, a murmurar, assustados, "é ela, é ela, passem a palavra". É que não me limito a deixá-los abertos, de bruços, nos braços dos sofás, deixo-os também em cima das mesas, levo-os onde calha, nas condições mais terríveis, dentro da mala de viagem, entalados entre o secador de cabelo e sufocados pelas camisas, para a praia, onde ficam muitas vezes sujeitos às intempéries, desidratados pelo sol e soterrados pela a areia, dobro-lhes os cantos das páginas, em cima para marcar a página onde vou e em baixo para assinalar passagens que, por alguma razão, me interessam, parto-lhes as lombadas, para que se abram como deve ser, e chego mesmo a sublinhá-los.  E no fim, quando o acabo de os ler e os ponho finalmente na prateleira, os livros hão-de dizer uns para os outros, olhar ainda aterrorizado, "passei pelas mãos de Palmier e sobrevivi" e os outros hão-de concordar, e hão de aninhar-se todos uns contra os outros para se rearrumarem na estante, partilhando daquele sentimento comum de quem viveu para contar a história.


(É talvez por isso que detesto ler livros emprestados, livros que tenho de tratar como se fossem de porcelana, livros que vivem intactos, como se nunca ninguém tivesse passado por eles)



36 comentários:

  1. Terá sido por causa de leitores assim que inventaram os e-books?
    Que bela prosa, Palmier.

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  2. Revejo-me em tudo o que diz aqui. É por isso que detesto ler livros emprestados e também não gosto muito de emprestar, neste particular por causa das notas, das dobras, das marcas, dos sublinhados - que são meus, coisas cá minhas.

    Boa Pàscoa, Palmier

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  3. Os meus também são um bocadinho mal tratados. Não chego ao ponto de os sublinhar e uso um marcador, ainda assim parece que andaram na guerra.
    (Detesto não conseguir comentar o Xilre, um blog sem comentários passa a ser quase um livro, bolas)

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  4. Uma claríssima oportunidade para o aparecimento de uma novel cadeia de health centers especializados. Avanço com um possível nome: Pilates Center for Disheveled Books. Será caso de se apresentar a ideia, em busca de seed capital, ao "Tanque dos tubarõezinhos"?

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    1. Não sei mesmo se não será caso para uma clínica de fisioterapia :D

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  5. Subscrevo.
    Abaixo os livros de porcelana. Viva os livros lidos à séria.

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  6. Tenho alguns que trato como livros de porcelana, aqueles de que gosto muito e sei que vou ler e reler. Faça de conta, de cada vez que os abro, que é a primeira vez. Esses não os levo para a praia e, se vão comigo em viagem, faço questão de os acondicionar bem. Leio-os em silêncio e sozinha, longe de qualquer perturbação, só eu e as palavras.

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    1. Mas só podes saber isso depois de os leres :)

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    2. Há livros que nos prendem no primeiro capítulo, na primeira página, no primeiro parágrafo. Se vejo que determinado livro é um desses não tenho problemas em fechá-lo e mais tarde volto atrás e começo a lê-lo com a "cerimónia" que se impõe.

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  7. Sois uns selvagens, é o que concluo.
    Os meus, tirando um bocadinho de baba de cão de vez em quando ou um ou outro grão de areia, estão sempre impecáveis.

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    1. (e esqueci-me da baba de cão, evidentemente! Que pequena Cutxi também é apreciadora de um bom livro :D)

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  8. Uma vez deixei um Eça perdido, na praia ("A relíquia"), e corri tudo à procura dele, chateei os nadadores-salvadores todos (incrédulos, com a minha aflição), foram metros e metros à torreira do sol, e ele nunca apareceu. Depois comprei outro exemplar, mas nunca mais me esqueci do que perdi. Já ia a meio, já estava manuseado, já tinha praia lá dentro. O resto da história soube-me a qualquer coisa sem sal.
    Os livros também são insubstituíveis.
    :)

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    1. :DDDDDDDDDDDDD

      (mas "A relíquia", mesmo lida em duas partes, vale sempre a pena :))))))

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    2. :D

      (vale, pois. Calhou estar sozinha no colmo no momento em que "a titi abriu o santo relicário". E ecoaram gargalhadas nos sectores todos da praia da Falésia, talvez até aos Tomates :D)

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  9. Gosto de ler ao sol, depois de um mergulho, o que transforma o fundo dos meus livros, que inevitavelmente apoio na barriga, num pergaminho salgado, enrugado e triste. Alinhados na prateleira, os meus livros são exactamente como a dona: 42 em cima, 46 em baixo.

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  10. Para além disso tudo, sublinho e anoto o que me aprouver. Já dividi dois livros ao meio, com um x-acto. A leitura era tão boa, que era uma injustiça não a dividir. Tenho cá para mim, que um livro só é feliz se mostrar as marcas de quem o leu. :)

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  11. Nãããããããão!
    Nãoooooooo!

    Dobrar o canto das páginas nunca!!!

    Único pecado mortal do bibliófilo!!!
    Assemelha-se a limpar um CD, DVD, BluRay, com álcool numa cotonete.

    Riscar, talvez. Depende do livro. Sem hesitação se for técnico, obrigatório mesmo.
    Anotar, sem dúvida, embora seja um caso particular de riscar. É claro que podemos anotar num livrinho de apontamentos com menção à página.

    E-books cara Palmier, e um tablet de 7'', tão leve quanto possível, para uma única mão (nem acredito que estou a escrever isto...). Mera precaução. Em tempos aconteceu adormecer com The Road to Reality nas mãos e quase morria quando fui atingido pelo tijolo no peito.

    E repare que isto é sugestão de um fervoroso crente no livro impresso.
    Pode anotar, destacar, riscar sem qualquer consequência.
    Pode ter cópias em múltiplos dispositivos. Pode sincronizar.
    E, acima de tudo, não pode dobrar o canto das páginas!!!

    Abraço!

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    1. Quiescente, até podia fazer isso tudo num e-book... mas não era a mesma coisa! :D

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  12. Tenho o maior cuidado com os meus livros (não sei bem porquê...), mas gosto tanto mas tanto de ler um livro que "traga uma história", sublinhado, com apontamentos, dobrado na lombada... só não gosto de páginas dobradas. Acho que um dos pequenos prazeres da vida é um dia encontrar um livro perdido em que traga consigo um pequeno vislumbre do seu antigo dono.
    Já não se perdem livros :(

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    1. :)))))) podemos combinar... eu posso "perder" um livro num local e hora previamente combinado! :DDDDDDDDDD

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    2. Havemos de combinar isso Palmi! Olha que ficou aqui registado, está dito está dito, uma vez na internet... Pronto, acho que percebeu a ideia! :p

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  13. Respondendo mais ao comentário da I. do que ao post da Palmier, eu às vezes 'perco' livros num dos bancos da rua Brito Aranha, em Lisboa. Amanhã deixo lá um, fica assente. :)

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    1. :) ora bolas que amanhã não consigo lá estar, mas da próxima que decidir "perder" um livro avise! :D

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