Ponho-me a olhar para a televisão e oiço os Passos, os Seguros, os Silvas e os Portas a falar, e percebo como eles estão reféns de um microcosmos infinitamente pequeno, que não lhes permite abarcar a realidade na sua totalidade. São momentos em que subo muito alto (como só eu sei subir) e que vejo o passado, o presente e o futuro. São momentos em que estou em todos os lugares ao mesmo tempo, em que sou uma espécie de Maya do universo. E, às vezes, é triste ser uma Maya do universo. Isto porque, às vezes, o que se vê, não é bonito. Vejo-os a falar do fim da crise, a atirar datas para o ar, 2014, 2015, 2016... a insultarem-se mutuamente na Assembleia da República. Governo abaixo, Governo acima, sai da frente que agora sou eu... e sinto pena. Sinto pena porque vejo que não são capazes de olhar para o futuro, que fazem o possível por esquecer o passado e que se limitam a olhar para o presente.
Acontece que o futuro constrói-se num presente alicerçado no passado. para construir o futuro, é preciso olhar lá bem para longe para saber o que nos espera, e os nossos amigos não são capazes de levantar os olhos e olhar para a frente. Eu percebo que eles não sejam capazes de o fazer. É que, o que nos espera, não é bonito. O tempo que conhecemos acabou. Puf. Foi-se. Não vai voltar. E não vai voltar nem em 2014, nem em 2015, nem em 2016, nem nos próximos 20 anos (para ser simpática). Os últimos vinte anos foram uma ilusão. Uma ilusão bonita mas, nada mais do que isso. O paradigma alterou-se e não foi só para nós, foi para toda a Europa. Estes tempos estão para ficar. Vão ficar até que nós, os que vivemos estes últimos vinte anos, nos tenhamos esquecido de como foi viver nestes tempos. Há-de haver um tempo em que falaremos aos nossos netos, sem certezas, sobre um tempo bom, um tempo utópico, um tempo em que todos vivíamos bem, um tempo em que havia prosperidade. Serão tempos revestidos por uma bruma de incerteza. Uma névoa de irrealidade. Uma espécie de Excalibur do Rei Artur. E os nossos netos ouvirão com desconfiança. Ouvirão as nossas histórias bonitas sobre um tempo que não se sabe se existiu. Um tempo perdido na Atlântida. Ouvirão, da mesma forma que eu ouvi a minha avó a falar sobre as suas férias de criança na praia de Algés. Ouvirão como eu ouvi. Como uma história bonita. Mas, quando por lá passamos, sabemos, com toda a certeza, que nunca voltaremos a tomar banho naquelas águas, outrora límpidas, da praia de Algés.
É isto que me acontece nos dias em que vejo tudo. Felizmente, tenho poucos dias desses. Normalmente, não vejo nada.
É isto que me acontece nos dias em que vejo tudo. Felizmente, tenho poucos dias desses. Normalmente, não vejo nada.
Maman estará orgulhosa.
ResponderEliminarGostei, muito.
Marta
Gostei imenso. O post e brutal
ResponderEliminarE infelizmente acho que tens toda a razao
ResponderEliminarO maior cego é que não quer ver... certo, certíssimo, inevitável. Excelente post.
ResponderEliminarOlá, Bom-dia.
ResponderEliminarAcho que é uma pessoa, ainda assim, muito optimista no meio de desgraça tão calamitosa que sobre nós desabou tão inopinadamente. Optimista e sonhadora quando diz que há-de haver um tempo em que diremos aos nossos netos.
Há-de haver um tempo, mas nós não estaremos cá para ver, quanto mais para contar. Será um tempo em que seremos recordados como uma civilização longínqua semelhante a uma Egípcia ou Maia, cujas recordações se perderam na memória dos tempos.
Surgirá um amanhecer em que seremos então conhecidos pelo privilégio do historiador, esse rei do passado a quem basta, quando percorre o seu império, tocar com a pena as ruínas e os cadáveres para reconstruir os palácios e ressuscitar os homens.
À sua voz, como à de Deus, as ossadas dispersas reúnem-se, as carnes vivas recobrem-nas, as vestimentas sumptuosas revestem-nas e neste Josaphat imenso onde três mil séculos conduzem os seus filhos, bastar-lhe-á escolher os eleitos pelo seu capricho e invocá-los pelo nome para que no mesmo instante os chamados ergam com a fronte as pedras dos sepulcros, afastem com as mãos as pregas dos sudários e respondam como Lázaro a Cristo:
Aqui estou senhor: que me quereis?
Será todavia necessário um passo firme para descer às profundezas da nossa História, uma voz imperiosa para interrogar os fantasmas, mão que não trema para escrever as palavras que eles ditam. Tarefa árdua, penosa, de ouvir na imperturbalidade da verdade, a odisseia de um povo sofredor. Os mortos têm por vezes segredos terríveis que o coveiro selou com eles nos seus túmulos. Os cabelos de Dante embranqueceram ao escutar o relato do conde Ungolino, as suas faces uma palidez tão mortal, que quando Virgílio o reconduziu à superfície da terra, as mulheres de Florença, adivinhando de onde vinha o estranho viajante, apontavam-no ao filhos, dizendo:
- Vêem esse homem que passa, tão grave e tão triste? Desceu ao Inferno!
É sobretudo a vós, descendentes da desgraça Lusitana, a quem se tornará aplicável esta comparação dantesca e virgiliana. A porta das catacumbas que vai abrir-se à vossa frente, tem na verdade algumas semelhanças com a do inferno como se fôsseis conduzidos por Virgílio e nas mãos levásseis o archote de Dante iluminando-vos.
Tremereis de emoção ao conhecimento adquirido e, à desgraça grega e romana outra se sobreporá, a de um povo heróico, aventureiro temerário e audaz desbravador, que de senhor de metade do mundo, por obra e graça de gente com educação deficiente, aventada até, como insuficiente, imergiu em areias movediças de profundidade infinita sendo hoje, nos vossos tempos, uma lenda longínqua cuja recordação se foi perdendo na memória dos tempos.
É isto. E se não é para lá caminha inevitavelmente.
Sem ser tão erudita como o Pássaro viajeiro, porque não sou, mas com um sentido mais prático, e retomando o tom sério deste post, direi:
ResponderEliminarNum dia calmo e igual,
Ao pôr de um sol escaldante,
Quando a noite descesse no horizonte,
Eu faria a minha revolução...
Num dia calmo,
Com o sol subindo no ceu,
Acabaria com tudo o que morreu,
Destruiria os sonhos do passado,
Exterminaria este mundo condenado.
Então contruiria de novo.
Criaria um mundo sem par,
Onde as ilusões fossem novas,
Onde tudo renascesse.
Onde existisse vontade,
Onde o homem renovado,
Vivesse livre, vivesse...
ResponderEliminar“Onde existisse vontade,
Onde o homem renovado,
Vivesse livre, vivesse...”
( Da Maman )
Acomodados nos limites do provável, os homens de hoje não têm a audácia da vontade. Fracos, temerosos e pusilânimes, têm medo dos ouvidos que escutam, dos olhos que enxergam, até das próprias ordens que dão.
( De mim )
Exaltação? Indignação? Revolução?
Oh! Senhora!... peço perdão!
Que importa que na mesa falhe o pão,
Se com look aprimorado se faz um figurão?
Falta ao filho, o caderno?
Mas há verniz para o vermelho.
Também vai de sapato velho?
Ora, mas há pilim para o cabelo.
Está carota a EDP?
E o gás pela morte?
Ora, desde que se não ande a pé
Ninguém diga que má sorte.
Erudito não sou
Apenas sei por onde vou.
Deixando o bem que finou
Trazendo a mágoa que restou
Sou um pássaro viageiro
pelo mundo caminheiro
bom amigo e companheiro
Amo o mundo por inteiro.
Gosto tanto de aqui vir...tanto pelos teus posts espetaculares como pelos comentários.
ResponderEliminarEstou rendida à escrita palmieró-encoberta e aos palmieró-seguidores ;)
ResponderEliminarDepois de ler o teu post tive que o msotrar à minha filha de 14 anos. Sempre lhe incutí o valor do dinheiro e do que custa a ganhar. Sempre a ensinei que nada nós chega facilmente mas que o esforço é recompensado. Fui criticada pela família e por amigos por mostrar verdades nuas e cruas à minha adolescente. Mas em verdade vós digo que prefiro que ela viva de olhos abertos e consciente de tudo o que existe à sua volta do que como uma avestruz com a cabeça enterrada na areia, no seu pequeno mundo. Orgulho-me muito da minha filha. Da sua clareza de ideias, do seu bom-senso e da sua convicção de que para ser feliz não precisa de muito. Ainda bem para ela, porque estou convencida, como a Palmier, de que nunca mais teremos tanto (ou a ilusão de termos tanto) como nos últimos 20 anos.
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