quinta-feira, 14 de julho de 2016

O colar

À direita dos sofás havia uma vitrine fechada à chave com leques antigos, leques enormes, de todas as cores, com penas, brilhos e paisagens várias, às vezes e depois de muita insistência, a minha avó pegava no seu enorme chaveiro, escolhia a chave certa entre mil, abria as grandes portas de vidro em ogiva e eu podia pegar com muito jeitinho nos leques, abri-los e fechá-los muito devagarinho, para não os estragar, depois a minha avó mandava-me arrumar os leques tal qual eles estavam antes de lhes ter mexido, voltava a pegar na chave, dava a volta a fechadura, e os leques lá ficavam, quietinhos, à espera de uma próxima oportunidade. À frente dos sofás havia um candeeiro de pé alto com um abat-jour cor-de-rosa velho que iluminava a mesa de jogo que estava à direita. Em cima da mesa estava uma jarra que tinha normalmente umas flores cor-de-rosa, daquelas que têm muitas pétalas desordenadas, uma agenda manuscrita já sem capa, com o papel muito velho e amarelo, os números corrigidos porque foram crescendo em indicativos com o correr do tempo e, ao lado, um telefone preto, daqueles com um disco, o telefone que a minha avó atendia e dizia "está lá?", e era quase sempre um doente para falar com o Senhor Doutor, ao que a minha avó respondia perguntando, com uma ponta de orgulho dissimulado: "com o pai ou com o filho?". Hoje fui à procura do colar de pérolas para usar no casamento, quando abri a caixa o colar cheirava ao perfume da minha avó. Talvez as pérolas sejam pérolas por isso mesmo, por aprisionarem os cheiros e trazerem-nos de volta as pessoas muitos anos depois de elas terem morrido.

36 comentários:

  1. Depois de ler este post fui buscar a caixa com o colar de pérolas que era da minha avó... que saudades eu tenho dela!!

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  2. Perolas sao as tuas palavras palmier... Que saudades da minha avozinha, mesmo nao me tendo deixado perolas, deixou-me palavras q nunca vou esquecer

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  3. Tão bonito, este post.

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  4. Quem me dera ter pérolas e que ao cheira las me soltasse cheiros dos que também já partiram e me deixam tanta saudade.

    Lindo texto Palmi.

    Boa noite.

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  5. Uma viagem emotiva pelas tuas memórias. O mais bonito que li hoje, de todos os pontos de vista. Gostei muito. Beijinhos

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  6. Tenho um anel e uns brincos que eram da minha avó .Dados pelo meu avô, que sempre adorou a minha avó, quando ainda eram solteiros.
    É uma recordação dos dois.

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  7. Ohhhh Palmier, já nem quero saber do vestido. Esse colar merecia uma foto, não por serem pérolas, mas pela história. Fiquei emocionada, é impossível não nos recordarmos de quem nos é querido. Obrigada Palmi.

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  8. :) adoro estas histórias.
    parece que estamos lá!
    mais, por favor!

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  9. Post lindo, sinto exactamente o mesmo, mas cada vez que mexo em documentos do meu pai ou abro a pasta cada vez mais gasta mas que teimo em usar, sai de lá sempre um cheirinho a pai que me consola as muitas saudades.

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  10. Ohhhh!! Adorei Palmier, esta história deliciosa faz mesmo recordar os nossos mais queridos que já partiram... Obrigada!
    ....
    ...
    ..
    (... e o vestido? Já tens vestido, rapariga???)

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  11. Ai o meu pai e o meu avô são médicos...................

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    1. Pois são (no caso do meu avô: era). Algum problema, Anónima?

      (já falei várias vezes sobre isso aqui no blog. Julgo que não é propriamente uma novidade bombástica para grande parte das pessoas)

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    2. (ainda se tivesse dito que eram banqueiros...)

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    3. A questão que se impõe: e o teu bisavô? Não respondes. Pois, não era médico! Foste apanhada!
      :DDDDDDDD

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    4. Por acaso era. Aliás, o meu mais antigo ascendente, ainda na época das cavernas, era conhecido como Homo-Medicus. :DDDDDDDDDD

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    5. Oh palmier que é isso contra termos antepassados banqueiros?? hummm! Há mais banca para além dos Espírito Santo e marteleiros de nome Roque, queres ver que tenho que me auto punir.
      Ninguém trabalha mais e com tanto afinco como um banqueiro sério. Para a srª Mirone os meus antepassados eram banqueiros, eu já não o sou e o meu pai deixou de o ser a 26-04-1975 e não não fui para o Brasil ou para a Suiça porque o meu pai apesar das famosas listas, aqui ficou a enfrentar tudo de cabeça levantada e sem medos.( Existem Espírito Santo que são pessoas de bem e trabalhadoras, não é por algumas maçãs estarem pobres que o cesto está todo podre)

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    6. E o Hipocrates também era teu primo, não era?

      (Adoro estes teus posts com histórias de família. O cheiro das pérolas quase se sentiu aqui)

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    7. Sim, era sobrinho do meu tetra-avô! :DDDDDDDDDD

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    8. Maria do Rosário, nada contra (excepto quando temos de lhes pagar as contas). O comentário veio apenas no seguimento do da anónima que se referiu ao facto do meu pai e avô serem médicos, como se isso fosse o supra-sumo da batata.

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    9. Então Palmier, para descomprimir um "cadito" do «sangue azul» de que te acusam de te gabares, deixa-me contar-te a impressão que tive no início da leitura, quando mencionas os preciosos leques trancados à chave seguido do candeeiro de abat jour cor-de-rosa "pró" carmim. Pensei que ias descrever as memórias de uma antiga «cortesã», Kkkkkk! Portuguesa, pois claro. Neste caso a curiosidade nem seria saber quem foram os homens da família, tanto quanto quem foram as mulheres :)

      Só quis partilhar esta primeira sensação, sem má intenção pretendida.
      Olha que não seria de todo uma má história familiar para se contar, é o novo "sangue azul" Kkkk.

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  12. Será que me enganei no blogue?! haha
    Bom ler-te neste registo menos maluco. :)

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  13. Uso neste momento no pulso o relógio do meu avô. :)

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  14. É por isto que você é a Rainha dos Blogs. Cm alguém já disse: isto é que são pérolas. Parabéns, Palmier.

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  15. O poder da lembrança olfactiva!
    Tão bom.

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  16. O meu bisavô e depois o meu avô, a seguir o meu pai e agora eu é que podemos considerar gerações de status porque fomos todos por sucessão hierárquica, os donos da banca.
    Frente à casa da sorte onde tudo que lá entra é rico e têm vergonha se não engraxam os sapatos.

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