quinta-feira, 2 de abril de 2015

Fomos ao Continente

Escolhemos a caixa com menos gente, uma caixa onde só se podia pagar com cartão electrónico, estava cheia de sede e enquanto punha as compras no tapete rolante pedi à menina se podia abrir a garrafa de água antes de a pagar e a menina disse-me que sim, que ali, no Continente, não se deixava morrer ninguém à sede, e eu fiquei contente por saber que assim era, que podia ir em segurança ao Continente, que ali nunca ninguém há-de morrer à sede. Atrás de nós, para pagar, estava um homem pequeno, um metro e sessenta, fato de treino preto, com umas calças demasiado compridas e uns ténis brancos, daqueles com uma sola fininha, que fazem os pés parecer ainda mais pequenos do que são, um homem gorducho, com uma barriguinha, um cabelo assim pegajoso e uma argolinha na orelha. Na verdade não dei logo pelo homem atrás de mim. Só reparei nele quando atendeu o telefone. Ou melhor, só dei por ele quando começou a responder a quem com ele falava. Primeiro foram uns "eh pahhh" desgarrados, uns "eh pahhhs" que se foram intensificando e eu a mandar calar os meus filhos, que queria ouvir a conversa, e eles a perguntarem "o que é?, o que foi?" e eu a fazer-lhes olhares, e a dizer "schhhh!" e a fazer sinalefos com a cabeça, a apontar para o homem, e às tantas estava a fila toda a assistir, e o homem dizia lá para o outro lado "já te disse que estou aqui no hiper", "eh pahhhhh, eh pahhhh, eh pahhhh",  "já te disse que vim ao Contnénte", que ele dizia mesmo assim "Contnénte", e depois o homem olhava para o telefone, zangado, e fazia menção de o atirar para longe, e eu pensava que ela, do lado de lá, tinha desligado, mas não, ele voltava à conversa, "eh pahhhhh, eh pahhhhh, estás sempre desconfiada!" e então, num repente, atirou o telefone, que tinha carinhosamente acondicionado numa capinha tigresse, contra o tapete rolante, para junto do saco com limões e das acendalhas, mas atirou-o com cuidado, só para marcar posição, para nos mostrar a todos que era mesmo capaz de o fazer, infelizmente o telefone saltou da capinha e a tampa de trás abriu-se, e o homem, claramente arrependido, pegou no seu querido telefone e com olhos tristes e aflitos tratou de voltar a encaixar todas as peças, para de imediato voltar à conversa, que esteve suspensa durante o massacre do telemóvel, "eh pahhhh, eh pahhhh" "porrrrrrrrrra, porrrrrrrra", aquele porra que carrega nos erres, "só me telefonas para discutir". E eu ainda estive tentada a gritar lá para o outro lado que ela estivesse descansada, que ali no Continente ninguém queria o homem baixinho, com o fato de treino preto e pés pequenos, mas achei que era capaz de dar mau resultado, de piorar a situação lá para o lado dele.



45 comentários:

  1. Tu aguentaste-te sem rir disso? Eu nem me aguento sem me rir (alto) numa sapataria com sapatos foleiros.

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    1. Estava tão atenta, para não perder nada do drama que ali se desenrolava, que nem tive tempo para rir! :DDDDDDDDD

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  2. Um pedaço de mau caminho omo o que descreves tem de ser bem controlado, não vá alguma lambisgóia roubá-lo.

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  3. Isto é uma espécie de análise sociológica?

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  4. Ahahahahahahahahahahahahahahah, Palmier, daqueles assim tipo "gordurosos"????

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    1. Era péssimo... fiquei a perguntar-me como raio podia suscitar tamanha ciumeira... :D

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    2. Então, se calhar também se não fosse ele a pegar nela... :)

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    3. Mesmo assim! A sério... :DDDDDDDDDDDDDD

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  5. O que me ri...
    Mas se calhar a senhora ao ouvir uma voz feminina, ia piorar ainda mais a situação do homem.

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    1. Era bem capaz, era! :DDDDDDDDD
      Ainda acabava junto com as acendalhas!

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  6. Ahahah! Não sei se gostei mais do relato da figurinha se da tua confissão " e eu a mandar calar os meus filhos, que queria ouvir a conversa, e eles a perguntarem "o que é?, o que foi?" e eu a fazer-lhes olhares, e a dizer "schhhh!" e a fazer sinalefos com a cabeça, a apontar para o homem"
    De mais!

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    1. São tão boas, estas conversas! Uma pessoa não pode perder estes achados! :DDDDDD

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  7. Estou a formular uma tese sobre os efeitos do Sul na vontade de começarmos a ouvir conversas dos outros e assim. Quando chegar à parte das conclusões aviso-te :)

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    1. É como a questão da betoneira... é mais forte do que eu! :DDDDDDDDDDDDD

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  8. E que interessa esta banalidade ? fiquei cansada mas li tudo só pra ver se havia qualquer coisinha. A publicidade ao continente fica-lhe a matar.

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    1. Lamento imenso tê-la entediado.

      Se quiser também posso fazer publicidade a outros: Jumbo, Jumbo, Jumbo. Pingo Doce, Pingo Doce, Pingo Doce. Lidl, Lidl, Lidl.

      Melhor assim?

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    2. Ó amigo(a), será a única pessoa que ainda não reparou que a Palmier não precisa (abomina) de publicidade para nada?

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    3. Não é a Palmier, é o Continente, amigo(a) !

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  9. Mas afinal o homem tem um blog ou não?
    Isso é que é verdadeiramente importante, caramba....

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  10. Olha a sorte do baixinho ter os eh pahhs dele num post tão bom. Sempre é capaz de compensar o azar de não ter sido dotado pela mãe natureza, sei lá...

    Boa Páscoa, Palmier. :-)

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  11. Bolas, faltou uma informação fundamental : qual o toque que o senhor tinha no telefone... Também me espantou a falta do tinto, mas se calhar o hiper estava com alguma ruptura de stock.

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    1. :DDDDDDDDDDDD
      Não sei... só dei conta já ele estava em amena cavaqueira... se calhar era a voz "dela" a perguntar "Onde estás? O que estás a fazer?"

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  12. O seu post lembrou-me o da Ana de Amesterdam, adoro ambas :)

    Beijos

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  13. Tenho estado fora mas, já tinha saudade destes relatos!!! Uma delícia!! (quanto á parceira, há mulheres muuuuuito chatas)!!

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  14. C,

    Peço desculpa mas não vou publicar o comentário, porque nem o Continente é o Continente a que se refere (este era mesmo o do Belmiro, onde se fazem compras, era mesmo real, nada disto é ficcionado), nem o filme que fez, que muito apreciei, por ser deveras imaginativo, tem qualquer coisa que ver com a realidade. Ainda assim, saiba que é sempre muito bem vinda e que, não sendo a pessoa do talho, tenho todo o gosto em dar dois dedos de conversa.

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  15. Na volta, seria a mãezinha, lol.

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    1. Ahahahahhahahahahahahhahhahahhahahahahahahahahhahahahahhahaahhahahahahahahhahahahahahhahahahahahahhaha
      Não coloquei essa hipótese, mas, vai na volta... :DDDDDDDDDDDDD

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  16. Não temos todos que ser Deuses gregos...Ainda bem que aquele homem têm alguém que sente ciúmes dele. É sinal que mesmo não tendo as medidas standard, há alguém que o ama.

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    1. Fosse eu um Deus grego, ou não, dispensaria em absoluto uma cena de ciúmes desta magnitude...

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