segunda-feira, 14 de maio de 2012

A estereotomia de um peúgo

A pessoa acorda de manhã, já atrasada (como acontece, aliás, em qualquer outra manhã de sua vida. Nada de novo, portanto). Tem de atravessar a cidade em racing. Fá-lo exemplarmente, já que hoje foi dia de apanhar os sinais todos verdes (há dias em que os sinais estão todos encarnados. Nunca há dias em que os sinais se alternem entre si). A pessoa pensa que, apesar do atraso, vai conseguir apresentar-se a horas na escola de filha. A pessoa começa mesmo a esboçar um sorriso de vitória. Isto até encalhar atrás da camioneta da… Loba, Peúgas e Collants.



Aí, todos os preciosos segundos que conseguimos poupar com os sinais verdes, se esvaem como areia por entre os dedos (que hoje estou poetiza). O sorriso que arvorava a nossa face, desaparece sem deixar rasto.  Vem-nos à mente aquele momento em que fizemos obras em casa e o empreiteiro nos mostrou, com orgulho, os roupeiros (amplos closets, na realidade), dando especial ênfase à gaveta que, ele próprio, tinha já destinado para os nossos peúgOS. Aliás, durante a obra, o empreiteiro, referiu-se profusamente aos nossos peúgOS. Estou em crer que o empreiteiro tinha um fetiche com peúgOS. A par com a palavra peúgOS, o empreiteiro utilizava, amiúde, a palavra estereotomia. Em todas as frases ele encaixava a palavra estereotomia. Tudo era dotado de uma estereotomia muito particular. Na realidade o empreiteiro era, tal como eu, um poeta! Claro que, com toda a poesia, a obra demorou o dobro do tempo e custou o dobro do orçamentado. Mas, olhemos para o lado positivo! Tivemos oportunidade de conviver com um artista do betão, uma mente sensível e um talentoso artesão. Um Miguel Ângelo do ladrilho, portanto.
Com tudo isto, claro que cheguei à escola de filha já passava das 9h30. À chegada, uma mãe que vinha a sair, disse-me num sorriso malévolo: hãhãhãhãhãh, hoje estávamos atrasadas e a Maria disse-me que, com certeza, íamos chegar depois da XXXX (nome de filha)… Mas eu disse-lhe que não… hãhãhãhã…, que, com certeza, íamos conseguir chegar antes….
Como se fosse, realmente, impossível chegar depois de filha! A cabra (atenção que a palavra cabra é aqui utilizada como uma metáfora poética que nos remete para o mais puro que a natureza tem para nos oferecer) que não se ponha a pau que eu, amanhã, lanço-lhe a camioneta da Loba (lá está, novamente a metáfora da natureza) – peúgas e collants, só para ver se ela gosta!

2 comentários:

  1. Vá lá que o empreiteiro não se lembrou da gaveta para as cuecas e fios dentais, ou a conversa ainda teria descambado, e com a queda dele para o intelectual, lá se ia parar ao Miller e à Anaïs Nin

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  2. ..há um vocabulário paralelo muito interessante de se explorar.. o meu empreiteiro (sim porque todos nós a determinada altura da nossa vida já tivemos um empreiteiro, e ele torna a remodelação, como foi o meu caso, da casa de tal forma pessoal que a determinada altura chegamos a achar que aquele é realmente o nosso empreiteiro pessoal, e depois chamamos-lhe assim) dava-lhe para conjugar a 3ª pessoa do plural, de qualquer verbo, sempre no imperativo, ou no conjuntivo desde que fosse futuro e aí acertava, exemplo:

    "..tenho uma data de clientes que ainda não me pagarem o que me devem"

    "estou aqui há meia hora à espera e ainda não trouxerem o material, aquela malta é tramada"

    ..e sabes o mais engraçado, é que fim de algum tempo já eu falava da mesma forma, mas só com ele... um pouco como acontece quando vamos de férias para o alentejo, ou algarve, por exemplo, ao fim de alguns dias já pegámos ali uma pontinha da pronúncia local..

    :DD

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