quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Meu cinturinha de alcagóita,

Assim começavam as cartas de uma doente para o seu médico psiquiatra, o meu pai. A partir desse momento, tudo era possível. O meu pai ou, se preferirem, o cinturinha de alcagóita lia-as e respondia. Não sei bem como conseguia responder... é que nada daquilo fazia sentido. O conteúdo das cartas era mais ou menos como Os Novos Maias da autoria do Gonçalo M. Tavares.  E, pensando bem, também me apetece continuar "Os Maias" neste novo estilo, o estilo absolutamente livre e insano. Hoje, Canis, em vez de Canis, chama-se Carlos da Maia. 

Uma personagem de ficção está no centro de um compartimento real em frente da bancada de uma cozinha. O compartimento tem apenas uma janela de 60 centímetros por 60 centímetros que dá para o inexplicável. A personagem, apesar de ser de ficção, move-se de um lado para o outro. O compartimento está de nível com o chão e, como tal, de nível com a irrealidade. Estamos no ano ficcional de 2013.

Carlos da Maia move-se de um lado para o outro, o nariz, igual ao da avózinha do Capuchinho Vermelho já depois de ter engolido o lobo, fareja o ar, fá-lo com precisão, as abas das narinas movem-se de cada vez que inspira, eleva-se nas duas patas, ali, à sua frente, em cima da bancada da cozinha uma tigela com quatro ovos cozidos sorri-lhe, sedutora. Carlos da Maia abocanha um ovo cozido com casca, depois dois, depois três e, não contente, termina com um quarto. Quatro ovos cozidos com casca.

Duas personagens de ficção entram na cozinha, reparam em Carlos da Maia que está deitado no centro exacto do compartimento com um aspecto ligeiramente embuchado. Pertencem à Comissão dos Jantares de Família.

Andam de um lado para o outro entre tachos e panelas. Para confeccionar o jantar passam por cima de Carlos da Maia que não faz o menor esforço para desobstruir o compartimento. Carlos da Maia mais não faz que estar ali, esparramado e com soluços. Tudo se processa com normalidade, o peixe é cozido, as cenouras, as batatas, o feijão verde. No fim, quando começam a dispor os alimentos nas travessas, as personagens de ficção apercebem-se que faltam os ovos, quatro ovos cozidos com casca. Olham para Carlos da Maia que deitado, finge não se aperceber das palavras trocadas.
- Não. Não acredito que o Carlos da Maia tenha comido quatro ovos cozidos com casca.
- Eu sei lá. Capaz disso é ele!

Duas personagens de ficção depois de vasculharem tudo quanto é canto, abandonam o compartimento e dirigem-se ao jardim, o Jardim da Irrealidade. As duas personagens de ficção procuram quatro ovos cozidos com casca nos canteiros e na relva. As duas personagens de ficção não encontram qualquer vestígio dos quatro ovos cozidos com casca e regressam, estupefactas, ao compartimento cujo centro continua ocupado por Carlos da Maia.

As personagens de ficção apalpam a barriga de Carlos da Maia em busca dos seus quatro ovos cozidos com casca e, enquanto procedem a esta operação, trocam comentários:
- Agora é que vão ser elas! Como é que vamos explicar que nós, enquanto representantes máximas da Comissão dos Jantares Familiares, perdemos os nossos quatro ovos cozidos com casca?
- Pois bem, cara colega, estamos feitas ao bife.
- Ao bife não, que o jantar é peixe.
- Tem vossa excelência toda a razão.

Agora, Carlos da Maia ou, se preferirem, o cinturinha de alcagóita, está ali, no centro exacto do sofá... enquanto a Comissão de Jantares de Família tenta perceber como, como senhores?!, é que Carlos da Maia foi capaz de deglutir quatro ovos cozido com casca... 


12 comentários:

  1. Ja chorei a rir....assim nao da.
    Tenho a malta a dormir e nao paro de rir.

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  2. Já me doem as bochechas de tanto rir. Tão bom.

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  3. Também não consigo parar de rir e só me apetece atirar ovos ao Tavares.

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  4. Ahahahahahahahahahahahahah
    E essa posição no sofá é o quê? Yoga?
    Ahahahahahahahahah

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  5. Nem quero imaginar quando as cascas saírem.

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  6. Vamos lá ver. Alegadamente! Nada prova a exagerada gourmandise do indiciado e é, portanto, uma acusação baseada em conjecturas que podem ou não, serem-lhe atribuídas. Desde logo não está sozinho em casa e a vedeta tem artes para se afiambrar aos ovos cozidos com casca e jogar-lhe com as culpas para cima. Que dada a ausência da finória, foi o que certamente aconteceu.
    Depois, essa da avozinha do Capuchinho Vermelho já ter engolido o Lobo; bem: também não vem dar muita credibilidade à acusação, convenhamos.
    Alegadamente, portanto!

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  7. Conclusão: Carlos da Maia lambeu- se com 4 ovos e mandou a Comissão de Jantares à irrealidade das favas. Sinceramente esperemos que quando "da volta do correio", não lhes devolva um busto, ou qualquer pós modernize á lá Joana Vasconcelos Bastaris juntar- lhe o casaquinho á PP ....Ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah .... And Carlos da Maia strikes again ....

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  8. Falta um detalhe da máxima importância.
    Durante a confecção ninguém escavacou a parede e encontrou, um filme, ou quiça, um programa de culinária? :)

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