quinta-feira, 11 de maio de 2017

Outros Tempos - O penteado

Já a Tia Violante tinha um séquito de criadas, praticamente uma PME, tal era o afã que se vivia naquela casa. Acontece que a Tia Violante, uma adepta fervorosa do brio, do garbo e da altivez, andava desgostosa com as melenas das raparigas, aliás, desgostosa é dizer pouco, a Tia Violante andava em pol-vo-ro-sa com aquelas gaforinas. Logo de manhã as raparigas entravam-lhe pelo quarto com aqueles chignons horripilantes, farripas de cabelos a sair por todos os lados, as travessas a cair, enfim, para os elevados padrões estéticos da Tia Violante, aquilo era um espectáculo feérico, uma tortura, uma situação que a deixava com os nervos em franja e os nós dos dedos brancos de fúria debaixo dos lençóis rendados. 
A Tia Violante tentou de tudo, as toucas, as redes, as grinaldas, os ganchos e as travessas, as bandoletes e as fitinhas, mas nada funcionava, os cabelos estavam vivos, eléctricos, eram cabelos ladinos, determinados a atormentá-la. Para além disso, as raparigas não tinham qualquer espécie de pundonor, parece que faziam de propósito, não se esforçavam por melhorar os dias da tia Violante, nem as noites, ah, as noites, as noites eram o pior, a Tia Violante deitava-se no seu grande leito encimado por um grande crucifixo e nem se conseguia concentrar nas suas orações, o temor dos cabelos desgrenhados era mais forte, parecia que as raparigas estavam ali à sua frente, a mofar dela, pagodeando das suas fundadas inquietações, abanando as suas cabeleiras esgadelhadas, aquilo eram pesadelos que a assolavam pela madrugada fora, visões tenebrosas, um tormento como nunca ninguém deve ter vivido, nem antes, nem depois da Tia Violante. E então, um dia, depois de um longo calvário e muito sofrimento, a Tia Violante, cansada de tolerar aqueles penteados rústicos que se passeavam na sua mui nobre casa, os penteados que a faziam viver permanentemente no fio da navalha e com o coração em sobressalto, tomou uma grave decisão. Sentou-se graciosamente na pontinha da cadeira da  grande secretária junto à janela, os cortinados abertos de par em par para deixar entrar a luz e, munida de pincéis e crayons coloridos, e inspirada directamente pelo bom Deus, desenhou o penteado ideal para a criadagem. E  a obra de arte, que sobreviveu a várias gerações, para que nenhum descendente tivesse de passar pelo mesmo martírio que a Tia Violante passou, consistia numa grande franja que era penteada para o lado com três ondas bem marcadas a ferro quente, três ondas ritmadas, uma, duas, três, apanhada atrás da orelha com um grande gancho de mola. Na nuca, e para evitar aqueles chignon desastrosos, a tia Violante idealizou uma permanente bem apertadinha, na verdade, uma carapinha, que garantia que os cabelos, depois de amarrados, não saíssem do sítio. E assim foi, uma vez desenhado o penteado, a Tia Violante pegou no seu staff impecavelmente fardado e, pela manhã muito cedo, para evitar encontros com as senhoras das suas relações, subiu a Calçada para as depositar nas mãos do seu cabeleireiro onde, qual artista da renascença, ia dando as devidas instruções para a correcta execução da sua obra de arte. Foi assim que, em casa da Tia Violante, se institucionalizou o famosos penteado, usado pela fiel Augusta até ao seu último suspiro. 
A Tia Violante nunca chegou a compreender por que razão, a partir daquele glorioso dia, se tornou tão difícil encontrar raparigas dispostas a trabalhar numa casa tão boa...

12 comentários:

  1. E o cacofónico pavoroso restolhar provocado pelo profano cirandar da criadagem?! Aposto que a Tia Violante as correu a todas a Sapatilhas Church, não foi?

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    1. A Tia Violante optou antes por estes confortáveis e silenciosos Gucci:

      http://en.vogue.fr/uploads/images/thumbs/201535/76/09_gucci_jpg_1392_north_499x_white.jpg


      (ahahhahahhahahhahahhahahahahahhahahhahahhahahahahahhaahaahhaahhahahhahhahahahhahaahahhahahahhahahahahahhahhahahahhahahahahahahahahahahahahaahahahahahhahahhahahhahahhaahahhahahahaahahahahaahahahahahhahhahahhahahhahahahhahaahahahah)

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    2. Mas fazia questão que penteassem as criaturas convenientemente! :DDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD

      http://media.gq.com/photos/57d857baabdfd82b6a6a1daf/master/pass/craziest-shoes-2016-0.jpg

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    3. edição alemã *peregrino* sugerida por Frei Pipoco na sua prédica
      para pobres

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    4. ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah

      (alguém devia avisar o Chewbacca a não passar perto da mansão da Tia Violante...)


      ahahahahahahahahahahahahahahahah

      ( a sério que isso existe? essas pantufas ou lá que é?!!!!)

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    5. :DDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD

      (parece que sim...)

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  2. Gostei de visitar o teu blogue. É muito real, e ao mesmo tempo nota-se todo o cuidado que tens com cada post

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  3. Tenho que cá para mim que, fosse hoje em dia, a consequência de tais permanentes apertadinhas seria, no mínimo, uma manifestação à porta da Tia Violante de um grupo de direitos humanos. É que permanente tipo carapinha é de uma violência, senhores! :D

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  4. Não aguento, ahahahhahahahaahah!
    A Tia Violante era uma visionária... por acaso não andou pela Coreia do Norte, não?
    http://www.dn.pt/globo/asia/interior/na-coreia-do-norte-so-ha-28-penteados-possiveis-3096282.html
    Deixou escola!! ahahahahhaha ;)

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  5. Olá Palmier!
    Gosto sempre do que que escreve, mas quando faz estes relatos de uma vida passada gosto ainda mais. É delicioso ler!
    Parabéns!

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