quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Um post que era sobre guerra mas que afinal é sobre amor

E um ano depois a minha mãe foi para a guerra. Nunca percebi como nem porquê, não consigo perceber como é que uma pessoa no seu perfeito juízo vai voluntariamente e pelos seus próprios meios para a guerra, mas, um ano depois, quando acabou o curso, a minha mãe meteu-se num avião e foi ter com o meu pai à guerra. Foi para a guerra apenas e só para estar com ele. Levava como bagagem de mão o seu necessaire com maquilhagem e calmantes, maquilhagem para chegar bonita à guerra e calmantes para chegar serena. Acontece que o voo foi longo e turbulento e a minha mãe foi tomando comprimidos, de meia em meia hora tomava mais um, mas, com vergonha que o passageiro sentado ao seu lado estranhasse aquela abundante medicação, abria o necessaire, tirava o batom, pintava os lábios e, de permeio, aproveitava para, disfarçadamente, tirar mais um calmante. Claro que chegou à guerra com os lábios incrivelmente pintados mas completamente sedada. Mas chegou. E o meu pai estava lá à espera, e há-de ter reparado que sim, que a cor do batom era mesmo bonita.

E se isto de ir para a guerra armada de batom não é amor, então não sei o que poderá ser o amor.




41 comentários:

  1. Maman em grande. Sedada mas com bom ar. :D

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  2. E o teu pai estava lá para a receber? Quando a minha mãe foi ter com o meu pai teve uma alteração de serviço e não pôde ir buscá-la. A minha mãe, menina de vinte e um anos, casada de fresco, que o mais longe que tinha ido tinha sido a França, em peregrinação a Lourdes, com um grupo de meninas da acção católica (acho que tinha outro nome), quando se viu ali sem conhecer uma única pessoa, sem um táxi que a levasse ao quartel ou à casa que entretanto o meu pai tinha arrendado, largou num pranto, desolada, pensando que o marido a tinha abandonado.

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    1. Mas como?! Como é que elas iam para a guerra?! É um enigma!

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    2. Pior, a minha mãe acabou por gostar de lá estar (tirando o aborrecimento de morte, que não havia nada para fazer, o cinema dava o mesmo filme durante imenso tempo, de tempos a tempos lá havia um baile das mulheres dos oficiais, mas ela era novinha, não se sentia muito à vontade no meio das senhoras mais velhas, casadas com as altas patentes, sendo ela casad com um simples alteres miliciano... acabou por comprar uma singer e fazer todos os vestidos que via nas revistas que entretanto iam chegando da metrópole). Quando ficou grávida da minha irmã enjoava tanto que só estava bem a caminhar. Fazia a mesma avenina vezes sem conta. Às vezes passavam militares que perguntavam se queria boleia, mas ela recusava sempre, precisava de andar. Deviam pensar que era louca. Só se veio embora em Julho de 74, porque entretanto a gravidez estava difícil e a "obrigaram" a entrar no último avião. Recusava-se a deixar o marido sozinho na guerra.

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    3. Mirone, não quero desvalorizar, mas guerras com avenidas, não são guerras, guerras têm que ter todos os condimentos, baratas, crocodilos, tigres, catanas, granadas a rebentar, granadas despolotadas a passar de mão em mão, formigas de asas a serem comidas, dias de chuva torrencial a abrir-se em céu azul, amanhecer com sol de meio dia... Talvez me dedique a contar à Palmier histórias de guerra que ela se encarregará de compôr para vos oferecer.

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    4. Sim, para a guerra mesmo guerra, a minha mãe não foi, ficou em Bissau, a guerra era meio do mato.

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    5. Peço desde já desculpa por me intrometer na "cumbersa", mas não podia deixar de manifestar o meu interesse nessas narrativas. Gosto muito do blogue da Palmier mas gosto sobretudo das histórias de familia que ela conta. Acho que a Palmier deveria seriamente pensar em passar as histórias para um livro porque não só estas merecem ser contadas, como ela o faz de forma sublime. Por isso, Maman, faça isso!

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    6. Adalberto, não me custa contar as histórias ,até me divirto a fazê-lo, terá que indagar junto de Palmier se ela tem paciência para as passar a escrito.

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  3. Foda-se! É tudo o que me ocorre dizer. Adoro estas histórias e era menina para beijar já a tua mãe (com ou sem baton). É obvio que desse cruzamento só podia ter vindo alguém evoluído como tu.

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  4. É claramente uma história de amor. Pena que há quase tantas histórias de amor como de guerra. São mais genuínos os amores em guerra.
    Mulher de coragem.

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  5. Cagada de medo mas chique. Chique a valer. Lá diria o Dâmaso.

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  6. pá adoro as histórias!!! e imagina a sua Maman, impecavelmente maquilhada, e sedada, mas a fazer furor nas africas!!!!
    como vão para a guerra, também não faço ideia, mas agrada-me pensar que será amor :D e dos bons!!!
    e para quando um post estes eventos catastróficos que se avizinham??? sexta-feira 13, dia dos namorados e carnaval... ai..ai...ai... que isto é demais até para toda um blogo mundo :S

    C.

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  7. Senhoras com batom fazem sempre lembrar-me a Avó :)

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  8. Faz-me lembrar a história dos meus pais. Também a minha mãe foi para a guerra ter com o meu pai. Foi no final de 73, estavam ambos a meio do curso com 21/22 anos. Para a minha mãe não se punha outra hipótese, se era ali que o marido estava era para lá que ela ia, e foi, e felizmente voltaram os dois, já depois do 25 de Abril. Regressaram ao trabalho e aos estudos e uns anos mais tarde cheguei eu.

    A minha mãe gostou muito do tempo que lá esteve, para grande consternação do meu pai que lhe lembra sempre que estavam em guerra e não propriamente de férias.

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  9. Mesmo sedada não terá perdido a sua belíssima pose e o baton a dar o toque final! É mesmo assim! Podemos ir para o fim do mundo, mas podemos sempre fazê-lo com estilo (adequado à situação) e a tua mãe é um bom exemplo.

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  10. Maman chegou deslumbrante e a guerra parou para a ver chegar :) :) :)
    Foi fermosa e foi segura :)

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  11. Maman é um espetáculo! Um dia quero ser como Maman.
    Palmy, aforei a escrita :)

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  12. Estou para aqui a sorrir feita estúpida.... ;) era o livro...

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  13. Mas Palmier, como é que elas podiam não ir para a guerra? Amor que é amor é assim, onde um está o outro tem que estar. E uma senhora, como Maman, vai sempre armada de batom ;)

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  14. Tens noção de que me deixaste aqui a babar, não tens?!
    Adoptem-me por favor, para ficar serões e serões só a ouvir estas histórias!
    (E eu a pensar que era muito valente por atravessar os ares e depois as areias escaldantes, de abaya vestida ao encontro do meu amor! P' rá guerra é que tinha sido!)

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  15. O Rui Veloso diz que "já não há canções de amor como havia antigamente". Nos tempos de hoje a música é outra, mas eu cá continuo é a gostar dos oldies :)

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  16. Fiquei arrepiada, com a história dos Papás da Palmier :) Um abracinho para a querida Maman :)

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  17. A minha mãe também foi para a Guerra comigo a tiracolo. E batom, é certo : D

    Joana

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  18. Já não se fazem mulheres como antigamente.

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  19. Adoro histórias do antigamente. Gostei da sugestão da necessaire, eu que não consigo entrar num avião e não deixam entrar sedados ;)

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