terça-feira, 19 de maio de 2015

Um clássico

Ontem, pelas 19h00, os condóminos voltaram a reunir. A convocatória designava um dos apartamentos do segundo andar, mas, à hora marcada, a dona da casa designada para a reunião, perguntava-me, debruçada sobre o corrimão da caixa das escadas, e enquanto eu subia os degraus para me dirigir a sua casa: "ainda bem que a encontro! Onde é que é afinal a reunião?". E depois de momentos altamente confusos em que inúmeros vizinhos desorientados desciam as escadas e outros subiam no elevador desencontrando-se uns dos outros numa espécie de eterno devir, lá nos reunimos no local originalmente designado. O assunto, sempre o mesmo, o drama que nos une contra o inimigo comum, leva a que nos reunamos amiúde para afinar a estratégia de luta. Acontece que o nosso exército é fracote e constituído, maioritariamente por aquilo que se pode designar por pessoas de uma certa idade, já para não referir as quezílias que existem dentro das nossas próprias filieiras... é verdade… enquanto a Tia Zeza fala, a Tia Patita põe-se atrás, a revirar os olhos, a encolher os ombros e a dizer que não com a cabeça, gestos que em conjunto querem dizer “está ché-ché, coitada…”, os exactos gestos que a Tia Zeza executa sem dó nem piedade sempre que a Tia Patita ousa abrir a boca para afirmar invariavelmente:"eu faço o que todos os outros fizerem". Afundado no cadeirão, à esquerda, está o Senhor Professor Moreira, uma simpatia de pessoa, sempre com um sorriso, aquele sorriso de quem não ouve bem, ou melhor, de quem não ouve mesmo nada, e por isso sorri sempre, bastante satisfeito. Ao centro, muito direito numa cadeira de espaldar, em pose militar, temos o senhor General, sempre preparado para empunhar armas contra o aumento das contribuições do condomínio. Isso é que não! Mas, Senhor General… o prédio precisa de ser pintado… mas o Senhor General fica rubicundo de cada vez que o assunto vem à baila, alarga o nó da gravata, parece mesmo que está a sofrer um AVC, roda o pescoço de uma forma anti-natural, caramba, aquilo não lhe pode fazer bem nenhum à coluna vertebral, fico sempre a ver quando é que a cabeça se desenrosca e rola pelo tapete de Arraiolos da tia Zeza. Para terminar, temos o momento de arrebatamento em que se diz mal da inquilina do terceiro esquerdo, que, coitada, não está boa da cabeça, ainda nos pega fogo ao edifício, sempre a fumar por todo o lado, que grande horror!, mas ninguém sente realmente pena, afinal quando foi da infiltração para o segundo andar, ela não quis saber e, por isso, foi eternamente banida das boas graças da vizinhança.


O nosso problema continua, portanto, por resolver.




22 comentários:

  1. E a casa nova? Confesse que vai ficar com saudades das Tias e das suas caras. :)

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    1. Espero (mas já não digo nada...) que a construção comece no próximo mês. São as verdadeiras obras de Santa Ingrácia :D

      Ainda vou ter muito tempo em companhia das Tias :D

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    2. Vai haver betoneiras e toda uma panóplia de geringonças à disposição!! :))) Isto, se der o saudosismo de certo header.

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    3. Estou desejosa que aquilo comece! :DDDDDDDDDDDDDDDD

      (tenho, no entanto, algum receio que a minha presença e interesse na maquinaria possa afastar o empreiteiro... :DDDDDDDDDDDDD)

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    4. Tira uma foto com um Bobcat! Pleeeeeeaaaaase....................

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  2. E são poucos... agora imagina tudo isso com 15 ou 20 condóminos, todos carregados de razão, a sua razão.

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  3. O seu relato traz-me recordações engraçadas, de um tempo em que eu era uma linda rapariga ( a sério, mesmo), um bocado fraquinha da mioleira, porque era - pasme-se - filiada no PS. O que relata acontecia sem tirar nem por com os militantes partidários em praticamente todas as reuniões semanais da nossa célula. Falava-se muito, não se dizia nada, havia os yes men do costume e os habituais do contra, e no fim ficava tudo em aguas de bacalhau.
    Quando se decidir a escrever as suas memórias, temos best seller :) :) :) :)
    E nem tias, nem generais, só palermas mesmo.

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    1. É estranhíssima a dificuldade de tomar decisões em grupo... coisas que cada um, individualmente, faria num piscar de olhos :D

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  4. Palmier, é tão bom não ter reunião de condomínio :D

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  5. Confesso que quase sinto inveja dos seus vizinhos, as reuniões de pessoas na casa dos 30 são uma seca, ninguém discute, ninguém se ri, toda a gente concorda com tudo e corre tudo muito bem. Tenho fé que com o passar dos anos a malta comece a ficar chalupa e as coisas melhorem.
    Temos recentemente uma vizinha nova que fica chateada com o facto da porta do prédio não fechar quando está vento porque tem coisas de valor na garagem (o carro!!!) e que se agasta com o gato da minha vizinha do lado que vai para a janela e pode cair, ao ponto de já ter chamado os bombeiros. (E eles foram e levaram a PSP com eles, só me admira não terem aparecido também as viaturas VMER).

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  6. Mas que delícia Palmier, esses prédios mais antigos são autênticas arcas de tesouros e personalidades. Tudo cristalizado no tempo e no espaço. Imagino que a decoração se mantenha igual desde'os 70's (ou até anterior).

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    1. Apesar de serem vizinhos já bem crescidinhos, mudaram-se todos para este prédio nos últimos dez anos :) por isso não há essa sensação. Mas são, de facto, umas personagens :D

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  7. Saw that movie....mais precisamente no passado sàbado à noite!! (Só mesmo Tias Séniores para agendarem reunião para um sábado à noite....) mas esqueceu-se de referir a que nunca paga mas quer as obras todas feitas :)

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    1. :DDDDDDDDDDD também temos um desses, mas não vai às reuniões :D

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  8. :DDDDD

    São uma delícia. Fica-se num cantinho a ouvir o turbilhão, idiotice a flutuar no ar, a catalogar as personagens.
    Por vezes até imaginamos estar na praia num dia cinzento de temperatura amena e água fria.

    Quando fica tudo esclarecido, e até já se segue para os abraços após a euforia, pede-se a palavra e destrói-se sem misericórdia os argumentos imbecis, sempre com menção ao respectivo artigo (ou aproximado, os gentios não reparam no erro) do código civil, que convém levar mais ou menos memorizado. Se houver advogados é necessário algum zelo adicional.

    Nunca me canso. É um daqueles meus envergonhados prazeres, não exactamente o de falar mas o de destruir pés de barro.
    É melhor não contar os restantes...

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