sexta-feira, 22 de junho de 2012

Papai, o socialite

Aqui há uns anos, pelas 2h00 da manhã de uma noite de Inverno, papai estava muito tranquilo na sua residência (situada no meio do campo, em local ermo e sem quaisquer vizinhos) quando, de repente, lhe entra um grupo de ninjas (que o corrector ortográfico quer, à força, corrigir para ninfas), armado com paus, pelo quarto dentro.
Papai levantou-se de imediato para receber os inesperados convivas. Ora, os convivas, muito agitados, falavam bastante alto (coisa absolutamente desnecessária considerando que estavam a meio da noite, em pleno campo e papai os conseguia ouvir perfeitamente) e diziam querer os bens pessoais de mon papá. Papai, homem desprendido de materialidades, foi, de imediato, buscar a sua carteira daí tirando notas que ofereceu aos senhores-ninja, esperando que os mesmos abandonassem o local, satisfeitos com o saque.
No entanto, os convivas não pretendiam ausentar-se de imediato. Pelo contrário, os convivas solicitaram uma ronda pela casa. Papai acedeu e levou-os num belo passeio por todas as assoalhadas, explicando, tal qual guia turístico, a proveniência de todas as peças. Chegados ao rés-do-chão, papai, já cansado de tamanhas andanças àquela hora tardia, perguntou-lhes se não queriam beber qualquer coisa. Os convivas acederam de imediato e comentaram, entre eles, que nunca tinham sido tão bem recebidos em anteriores assaltos. Que este sim, era um trabalho de qualidade. Papai (tal qual Paula Bobone) sorriu, satisfeito com a sua arte de bem receber e serviu whisky on the rocks para todos. Foi assim que iniciaram um frutuoso diálogo, sendo que os ninja se queixaram sobre as amarguras de uma vida de assaltantes. Que as coisas estavam más. Que já não eram como antes. Que havia os alarmes (alguns até ligados a centrais, imagine-se), as grades e que as pessoas não facilitavam nada a entrada sub-reptícia nas suas habitações… enfim… que havia muito stress envolvido e que a vida estava difícil para todos. Papai, apercebendo-se do estado de clara debilidade psicológica dos seus visitantes, aproveitou de imediato para os deitar no seu divã e, acendendo o seu cachimbo, receitou-lhes antidepressivos com fartura. No final da consulta, já sem saber como entreter os amigáveis ninja, papai sugeriu que vissem um filme (era no tempo das cassettes VHS). De assaltos, é claro. Os ninjas ficaram bastante satisfeitos e aderiram de imediato à ideia, pelo que se sentaram, bem comportados, frente à televisão.  
Posto isto, os convivas pediram a papai a chave do seu carro mais veloz. Ora aqui papai teve de dizer que não. Isso é que estava fora de questão (papai é pessoa que aprecia bastante as suas viaturas). No entanto, e apesar da relação de amizade que já ali se estabelecera, os ninjas viram-se obrigados a brandir os seus paus. Assim sendo papai compreensivo, porém cabisbaixo, entregou-lhes a chave da máquina. Já na posse da dita, os ninjas pediram muitas desculpas (muitas, muitas, mesmo!) mas viam-se obrigados a fechar o seu (deles) assaltado (que entretanto já se elevara à categoria de seu -deles- médico psiquiatra) na casa de banho do piso superior.
Assim o fizeram. Papai conseguiu abandonar a sua habitação pelo telhado saltando, como uma verdadeira ninfa (gosto sempre de agradar ao corrector ortográfico, não vá dar-se o caso de ele amuar e eu passar a escrever com imensos erros, fazendo com que vocês se apercebam que, na realidade, sou absolutamente ignorante), de telha em telha, até aterrar, já ao nascer do sol, cheio de estilo, no seu fofo relvado.

Como recompensa pelo impecável tratamento a que tiveram direito, os ninjas deixaram o veloz veículo, absolutamente imaculado (o interior fora inclusivamente lavado), junto a um posto local da GNR, depois de o terem feito participar num emocionante assalto.
Papai não apresentou queixa à polícia porque a relação médico/paciente deve ser preservada.

12 comentários:

  1. Eheheh, ainda há assaltantes cavalheiros (maldito corretor ortográfico)

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  2. Antes de mais um ponto prévio. Se o corrector ortográfico corrige uma palavra que tens absoluta certeza de que existe e está bem escrita é porque essa palavra não consta na lista do próprio, pelo que, adicionas ao dicionário. Deixa de te chatear.

    Este relato é deveras interessante, quase que ficamos com vontade de sermos assaltados.

    Não sei se pelo facto do teu pai ser psicólogo ficou evidenciada uma mais-valia em lidar com a situação, se pelo evidente amadorismo dos meliantes, ou um pouco de ambos, mas que este episódio foge um pouco ao que habitualmente ouvimos falar é outro facto.

    por outro lado também é comum desvalorizarmos a nossa integridade física em prol dos bens materiais, alimentamos sempre essa parva ideia de que estamos obrigados a defendê-los e preservar-os... também foi outro elemento de que o pai beneficiou - o desprendimentos de bens materiais - à excepção do carro onde a natureza masculina por momentos falou mais alto

    e depois é bom não esquecer que o pai foi assaltado duplamente: em bens e serviços. realça-se mais um desprendimento: a sede de justiça.

    repito, relato muito interessante este. :DD

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    1. Papai é assim... uma figura exótica :))) ahhh para além do carro, eles também levaram o resto da garrafa de whisky :)))

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  3. Ahah! És uma contadora de histórias fantástica!! Aposto que sais ao teu pai! :D

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    1. Obrigada ;D Acho que não conseguiria levar a coisa com tanta tranquilidade :DDD

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  4. Já percebi a quem sais!
    Faaaaarta de me rir!

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  5. E eu que só vim espreitar porque já estava mesmo quase a dormir !!!!! Aahahahahahahahahahahahahahah... O que eu já chorei a rir ....

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  6. lembro-me deste evento! as aventuras do teu pai dariam por si sós um livro!

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