quinta-feira, 9 de maio de 2013

Ontem...


Li isto do Tolan e primeiro pensei que devia acampar à porta da editora à espera que o livro fosse finalmente impresso. Mas depois percebi que não sei a morada de nenhuma editora e os meus planos caíram por terra. Então, fui lá ler outra vez. Se temos aquele bocadinho, o melhor é aproveitá-lo. Mas, depois, fiquei outra vez zangada por a editora estar a demorar tanto tempo e vim-me embora. Mas, passado um bocado, fui lá outra vez só para ter a certeza que ainda lá estava. E li outra vez. E, enquanto estava nisto, percebi que a Sara e eu somos a mesma pessoa, mas ao contrário. Sou a Aras. Tenho sempre frio. Vou para o escritório e sou acometida de muito frio e não deixo que liguem o ar condicionado. Os dois homens que comigo partilham o espaço sofrem muito, mas em silêncio. Aproveitam logo de manhã, antes de eu chegar, para pôr o ar condicionado no máximo do mínimo. Julgo até que eles vão mais cedo para se poderem vingar dos meus caprichos e refastelar-se ali, ao fresquinho. Quando eu finalmente me apresento, aquilo parece o Pólo Norte e os meus colegas uns pinguins lustrosos e felizes. Eu então comento, assim como quem não quer a coisa, agarrada ao meu casaquinho (que eu ando sempre com um casquinho por causa do frio) e enquanto me apresso a apertar os botões "Ena, ena! Estão cheios de calor…". No fundo eu sou como a minha avó que, quando tinha alguma coisa menos agradável para dizer, punha as palavras na boca de uma senhora amiga "Uma senhora minha amiga disse que...", e eu, em vez de ter uma senhora amiga, tenho um casaquinho amigo. Mal pressinto o frio agarro logo nos botões e tento metê-los nas respectivas casas, de forma a passar a mensagem a todos os que estão à minha volta. Mas, estava eu a dizer que, mal me vêm a apertar os botões e a fazer brrrrrrr, eles olham um para o outro e, resignados, desligam o ar. Já tentaram esconder o comando e disseram-me que não o conseguiam desligar, mas eu resolvi logo a questão, subi a uma cadeira e desliguei-o lá no alto, no botão cor-de-laranja. Depois ainda lhes disse com um olhar doce, lá de cima, da cadeira, "vêm... afinal nem é preciso o comando". E eles enterraram a cabeça nos ombros e ligaram umas mini-ventoínhas que improvisaram nas suas mesas, para estas ocasiões. Pobrezinhos, andam para ali, o ano inteiro, em mangas de camisa. E eu não acho aquilo nada bem e digo-lhes muitas vezes "que horror... vocês não têm frio?" E eles retorcem-se nas cadeiras e dizem que não, que estão bem assim. Ás vezes constipam-se, coitadinhos. Andam sempre mais constipados no Verão, porque têm de interromper o trabalho para ir a outra sala, em que o ar condicionado está regulado para temperaturas negativas, com o objectivo de se refrescarem. É claro que, depois, não resistem ao choque de térmico e ficam muito doentes. A secretária, que está lá ao fundo e que gosta sempre de olhar para nós por entre as traves de madeira com um sorriso prestável é, também ela, uma vítima desta situação. É que, quando estão muitos graus lá fora, eu deixo que liguem o ar lá do fundo. E eles então vão lá e ligam aquilo no máximo, na vã esperança que aquele ar condicionado consiga refrescar o nosso lado. É claro que nem reparam que o ar bate de frente na pobre criatura e que ela ali fica, nos dias de Verão, com o mesmo sorriso dos dias de Inverno. No fundo, aquilo é o sorriso de Inverno que lhe fica congelado na cara. Lembro-me muitas vezes daqueles cisnes de gelo dos buffets dos hotéis. Nesses dias ela também traz um casaquinho, mas daqueles polares, já a vi com um poncho em pleno mês de Agosto. Tenho sempre algum receio que nos esqueçamos dela ali e que só a venhamos a encontrar dias mais tarde com estalactites no nariz. Eu cá, quando tenho de ir ao scanner que está mesmo ali, junto da mesa dela, digo sempre "Uiiii isto aqui é a Sibéria!" e, nesses momentos, em que ela já só mexe os olhos, confirma que sim senhora, aquilo é mesmo a Sibéria. Mas eu nem lhe dou tempo de acabar a frase porque, quando ela ainda está a meio, eu já estou a correr em direcção ao meu micro-clima, puxo a cadeira para a janela e fico ali ao sol, como uma lagartixa, a restabelecer a minha temperatura corporal da intempérie a que fui momentaneamente submetida. Ontem até aconteceu o meu consorte ir lá ao escritório e dizer consternado "Mas vocês aqui não ligam o ar condicionado?!" e eles olharam uns para os outros, um ranhoso e em mangas de camisa, o outro corado e com umas rosáceas carmesim na cara afogueada, e a outra lá ao fundo com um sorriso de pedra, depois olharam para mim, esperançosos, com a respiração suspensa, à espera da minha resposta. E eu respondi, displicente, "Com este frio?!" E eles então expeliram o ar que tinham prendido no peito e, derrotados, voltaram ao trabalho.

6 comentários:

  1. Não sei de qual de vocês gosto mais, se da Palmier, se do Tolan :)

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  2. Amei as duas! A Sara e a Aras!

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  3. Até fiquei com afrontamentos!

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  4. O que me ri com o cisne de gelo :P
    Rita

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  5. Já tive grandes guerras por causa do ar condicionado aqui no burgo... uma altura quase que ia andar à estalada. também sou amante do casaquinho.

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  6. Ó Palmier, então não sabe que o frio é chique? Antes ter frieiras em pleno julho, faringites crónicas e habituar o corpo aos choques térmicos do que trabalhar com mais de 18 graus (a menos que ninguém esteja a ver).

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