domingo, 23 de dezembro de 2012

Porque há coisas que nos partem o coração...


Ontem fui arrastada por filhos para o topo do Parque Eduardo VII. Queriam patinar na pista de gelo que lá está instalada. Tomámos o nosso lugar na fila e ali ficámos durante quase uma hora. Á nossa frente, estava uma família de mãe, pai e filha. Todos gostaram de pequena Cutxi e iam-lhe fazendo festinhas. A filha, da idade da minha (cinco anos), foi-me perguntando várias coisas sobre pequena Cutxi. Quantos anos tinha, como se chamava, o que comia... disse-me que gostaria muito de ter um cão... mas que não podia. Depois, disse-me que já era a quarta vez que ali estava e eu gabei-lhe os pais. Que deviam ser muito pacientes, para esperarem tanto tempo na fila. A mãe, então, explicou-me que o marido estava desempregado e que tinha tempo para "aquelas coisas". Disse-o com o olhar perdido e com o medo a emergir turbulento à medida que ia falando. "Ele não pode deixar-se ficar... tem de fazer qualquer coisa. No último mês já não conseguimos pagar a casa. Precisamos do dinheiro, sabe como é...". E eu não sei... não imagino... . Posso fazer uma suposição. Posso colocar-me no lugar de quem não tem. De quem não pode. Mas não consigo imaginar a magnitude do medo. Aquele medo palpável que estava ali à minha frente. Um medo que arranhava como uma lixa de picos grossos. Que se agigantava a cada palavra. Depois, chegou a nossa vez. Deram-nos os patins e perguntaram-nos se queríamos uma "foca" (um objecto para ajudar a equilibrar os principiantes nas artes da patinagem). E a menina olhou-me com uma cara muito séria e avisou-me que não. Que a foca custava dois euros. E eu senti-me pequena, minúscula, uma partícula de pó. Dois euros... e aquela menina de cinco anos, mas com sabedoria de cinquenta, sabia que os dois euros iam fazer diferença aos pais. Que não podia ser...
Levámos as focas, é claro, e, no fim, a menina veio agradecer. Que, finalmente, tinha patinado no meio da pista em vez de agarrada às baias. 
- Não te vai fazer falta? Perguntou. 
- Não. Não me vai fazer falta, está descansada.
E a verdade é que os dois euros não me fazem falta. Mas, faz-me falta um país em que não haja meninas de cinco anos obrigadas a pensar como adultos de cinquenta. Faz-me falta um país que tenha empregos para os pais desta menina. Faz-me falta um país onde não haja medo nos olhos das pessoas. Faz-me falta um país onde as meninas possam patinar sem carregar nos ombros a falta de possibilidades. Isso, faz-me falta. Muita falta.

P.S. Afinal, havia uma razão para ter aquela enormidade de Nancys na mala do carro. Ficaram bem entregues...

26 comentários:

  1. Infelizmente o retrato real do país que temos. Bonita atitude e reflexão Palmier. Bom Natal para ti e para a tua família.

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  2. É o futuro do nosso país que está hipotecado :( voltamos à probreza e ao medo que eu só conhecia de ouvir contar da boca dos mais velhos. Não sei se é daqui a 30 anos que acabaremos de pagar a crise, como diz o nosso primeiro ministro. Mas sei que daqui a 30 anos haverá uma geração marcada pela crise e isso deixa-me imensamente triste. O meu pai nasceu nos anos 30 no alentejo e contava-me que pão com azeitonas era uma refeição e que uma sardinha era dividida por três e que só teve o primeiro par de sapatos aos 6 anos. O meu pai levou a vida a lutar contra a pobreza e a repressão. Entristece-me pensar que perdeu a luta. Entristece-me ver todos os dias que vivemos num país sem esperança.

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  3. Primeiro triste mas no fim da leitura com um sorriso enorme, são esses momentos que levamos desta vida, será que tudo o que está a acontecer, cá e no mundo, tem uma razão de ser? será que aqueles escritos Maias afinal têm a razão de ser da afirmação de uma mudança de uma era?....só nós poderemos encontrar a resposta.

    Feliz natal, tudo de bom agora e sempre.

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  4. Costumo espreitar este blog e rir muito a cada novo post que é colocado. Tenho um humor algo difícil de contentar e não é fácil arrancarem-me gargalhadas inesperadas... mas aqui tenho dado bastantes. Menos hoje, menos agora. Depois da leitura deste post apeteceu-me o óbvio: chorar, pela dor da história dessa menina de cinco para cinquenta anos e porque é mesmo a realidade de tantas meninas por aí.
    Abençoadas Nancys, abençoado gesto.
    L.

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  5. Não é só o teu sentido de humor que é grande, Palmier! Feliz Natal!

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  6. Cara Senhora.
    O caso em que a senhora foi protagonista, lembra-me um outro há aproximadamente um ano, com uma outra senhora e numa outra plataforma.
    Ela inseriu um post que, sintetizando, contava que numas compras de Verão, e já depois do seu carro cheio, reparara numa mãe pobremente vestida que tentava, sem sucesso, calar uma filha, também de quatro ou cinco anos; suponha ela porque ao contrário de si que se interessou pela pequena patinadora, ela só ouviu e viu o suficiente para ter assunto para o post.
    A menina chorava porque queria um creme protector que tinha lá umas figuras que agora não me recordo, mas ela, a autora do post, descriminava-o na perfeição; e a mãe dizia-lhe que era muito caro e tentava levá-la a interessar-se por outro mais barato, que interessada ou não foi o que a mãe lhe comprou.
    Contava que reparara no carro da senhora com poucas coisas e tudo do mais baratinho, que pagara envergonhada por a filha estar a chorar, e rematava increpando o governo que dava azo ao choro da menina e que a incomodara bastante o que presenciara.
    Todo o mundo lá foi apoiando-a, que sim senhor, que isto era um governo de vergonha, uma infâmia, onde íamos parar e blá blá blá...
    Eu também comentei, como aliás, comentava sempre, éramos amigos, e perguntei-lhe que se de facto o choro da menina a comovera, por que razão não oferecera ela o creme à criança.
    Respondeu-me desabridamente e eu reiterei o que dissera e ajuntei se nunca oferecera nada a uma criança, sobretudo quando um simples creme ia fazer a felicidade de uma criança de cinco anos que chorava.
    Resta acrescentar que essa senhora é rica; muito e muito rica.
    Hoje tem-me um ódio de morte!
    Um Bom Natal, que seguramente terá! Somos sempre felizes quando a nossa consciência nos sorri.

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  7. O que tu fizeste hoje foi isto: http://deixaentrarosol2.blogspot.pt/2012/12/mensagem-de-natal.html

    :)

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  8. Minha grande, ENOOOOOOOOORME Palmier!
    ♥♥♥♥♥

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  9. O meu voto é que os seus desejos se tornem realidade.Um Santo Natal!

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  10. Gostei de ler!
    Não pela situação, mas pela mensagem.
    Este País é uma miséria. E eles são uns nojentos ignorantes!

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  11. Querida Palmier, também esse país me faz falta. Um grande beijinho e um feliz natal!

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  12. A mim, faz-me falta um país com mais gente assim.
    Fica-me a alegria de pensar que esta nova geração sairá melhor preparada para o futuro, bem educada, mais poupada e sensata, sabendo que aquilo que temos hoje poderemos não o ter amanhã, dando valor ao que tem. Mas dói saber que há cada vez mais meninas de 5 anos a passar dificuldades. É assustador, esse medo que se instala cada vez mais à nossa volta.
    Um Santo e Feliz Natal Palmier

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  13. Que disparate de post. Agora esgotada a veia de engraçadinha tentas a demagogia política e arranjas logo um bando lamuriento a fazer coro. Ridículo. Volta às parolices.

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    1. Olha que boa ideia! Estava aqui a pensar que podia criar uma rubrica extremamente original que ia pelo nome "blogue meu, blogue meu, existe algum comentador mais parvo que o meu?"
      Acha bem querido anónimo? Conte-me tudo!

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    2. Já tinha saudades de um anónimo idiota, e de termo ridículo, claro está. É que isto de lidar com pessoas inteligentes o tempo todo pode maçar, assim sempre temos uma distração.
      Marta

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    3. Também eu! É um anónimo de Natal! Até vem com as luzinhas a piscar (de raiva, evidentemente)!

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    4. Que disparate de comentário, anónimo!

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    5. Porra, nem no natal deixa de haver pessoas imbecis como esse anónimo. Será que ele não vive no mesmo país que o nosso.Feliz natal palmier. Felizmente 2 euros também não me fazem falta e acho que fiz feliz algumas pessoas.

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    6. Ai Anónimo, Anónimo...
      Quão mal amado/a terá de ser para assim ter ficado azedo...
      Deus não dorme querido/a, Deus não dorme...

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  14. Parabéns pelo post e pela maravilhosa acção. Tão bom que já conseguiu irritar um anónimo. Ou uma anónima. Feliz Natal.

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  15. Infelizmente é mesmo o retrato do país que vamos tendo, anos demais a sermos governados por perfeitos incompetentes. Nós que não passamos por essas situações só nos resta tentar minimizar, naquilo que podemos, a vida de quem passa. Foi o que a Palmier fez! Parabéns e já agora um feliz natal para si e para a sua família, e obrigada pelas gargalhadas que dou à conta deste blogue, um blogue muito engraçado e acutilantee INTELIGENTE!!!

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  16. Sem palavras Palmier! Mas quero acreditar que ainda existem pessoas como tu! Fico feliz pela tua atitude!
    Que aquela menina tenha um óptimo Natal, assim como eu desejo a ti!

    Tudo de Bom!

    www.kitschpat.com

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  17. Feliz Natal,palmier. A mim não sabe s natal por estas coisas. Bjo

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  18. Deixa-me juntar ao bando lamuriento!!! Se calhar poucas pessoas se davam ao trabalho de ter um gesto tão simples mas que, para uma menina de cinco anos, teve um significado enorme. É quando me vejo perante situações como esta, que tenho vontade de me bater, por muitas vezes reclamar de 'barriga cheia'...

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  19. Os teus filhos têm uma sorte desmedida por terem uma mãe como tu. És enorme!

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  20. O pior de tudo é sabermos que estamos quase todos a um passo de termos os nossos filhos assim. Cada vez penso mais em sair deste país. E detesto isso, porque gosto mesmo de viver em Portugal, mas cada vez gosto menos. Parabéns Palmier pelo que fizeste. Por vezes coisas que para nós são insignificantes, para um menino é todo um mundo, e não falo só de coisas materiais.

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