Ontem fui arrastada por filhos para o topo do Parque Eduardo VII. Queriam patinar na pista de gelo que lá está instalada. Tomámos o nosso lugar na fila e ali ficámos durante quase uma hora. Á nossa frente, estava uma família de mãe, pai e filha. Todos gostaram de pequena Cutxi e iam-lhe fazendo festinhas. A filha, da idade da minha (cinco anos), foi-me perguntando várias coisas sobre pequena Cutxi. Quantos anos tinha, como se chamava, o que comia... disse-me que gostaria muito de ter um cão... mas que não podia. Depois, disse-me que já era a quarta vez que ali estava e eu gabei-lhe os pais. Que deviam ser muito pacientes, para esperarem tanto tempo na fila. A mãe, então, explicou-me que o marido estava desempregado e que tinha tempo para "aquelas coisas". Disse-o com o olhar perdido e com o medo a emergir turbulento à medida que ia falando. "Ele não pode deixar-se ficar... tem de fazer qualquer coisa. No último mês já não conseguimos pagar a casa. Precisamos do dinheiro, sabe como é...". E eu não sei... não imagino... . Posso fazer uma suposição. Posso colocar-me no lugar de quem não tem. De quem não pode. Mas não consigo imaginar a magnitude do medo. Aquele medo palpável que estava ali à minha frente. Um medo que arranhava como uma lixa de picos grossos. Que se agigantava a cada palavra. Depois, chegou a nossa vez. Deram-nos os patins e perguntaram-nos se queríamos uma "foca" (um objecto para ajudar a equilibrar os principiantes nas artes da patinagem). E a menina olhou-me com uma cara muito séria e avisou-me que não. Que a foca custava dois euros. E eu senti-me pequena, minúscula, uma partícula de pó. Dois euros... e aquela menina de cinco anos, mas com sabedoria de cinquenta, sabia que os dois euros iam fazer diferença aos pais. Que não podia ser...
Levámos as focas, é claro, e, no fim, a menina veio agradecer. Que, finalmente, tinha patinado no meio da pista em vez de agarrada às baias.
- Não te vai fazer falta? Perguntou.
- Não. Não me vai fazer falta, está descansada.
E a verdade é que os dois euros não me fazem falta. Mas, faz-me falta um país em que não haja meninas de cinco anos obrigadas a pensar como adultos de cinquenta. Faz-me falta um país que tenha empregos para os pais desta menina. Faz-me falta um país onde não haja medo nos olhos das pessoas. Faz-me falta um país onde as meninas possam patinar sem carregar nos ombros a falta de possibilidades. Isso, faz-me falta. Muita falta.
P.S. Afinal, havia uma razão para ter aquela enormidade de Nancys na mala do carro. Ficaram bem entregues...