O raio da enfermidade que me atacou, está a dar as últimas. Pois que estive melhor, pior, melhor, pior, até que ontem, me rendi finalmente aos encantos do antibiótico (que devia ter tomado desde início mas, como sou boa cidadã, fui adiando).
Como estou para aqui atirada (já não aguento ouvir o Panda, o Nikelodeon e o Baby TV devorados por filha - também ela enferma) vou voltar ao passado e contar uma história absolutamente sinistra que aconteceu a Maman et Moi.
Há muitos, muitos anos andava Maman numa fase em que se dedicava à cozinha (por contraposição a outras em que Maman, simplesmente, não cozinhava. Razão pela qual comemos durante um ano -365 dias- frango cozido com arroz, que era o único prato confeccionado por empregada), quando resolveu deslocar-se à praça e comprar... enguias!
Pois que Maman chegou a casa muito feliz, com um saco plástico (ainda me lembro que era cor-de-rosa) cheio daquelas lindas cobras de água que, em breve, se transformariam num extraordinário ensopado de enguias.
Maman arregaçou as mangas e dirigiu-se, confiante, à cozinha. Aí chegada, pousou o seu saquinho na bancada e, eis senão quando, o conteúdo do mesmo se começou a mexer animadamente. Maman elogiou a frescura do peixe e não deixou transparecer o seu terror. Maman abriu a torneira do lava-loiça e entornou, com movimentos sábios, o conteúdo viscoso para dentro do mesmo.
Pois que, nesse exacto momento, Maman perdeu, de imediato, várias enguias. As enguias (animal de extrema inteligência) fintaram Maman e abalaram pelo ralo do lava loiça sem, sequer, se despedirem.
Maman, já ligeiramente despenteada com tal percalço, cerrou de imediato o ralo, retendo, no lava-loiça, todos os viçosos animais que nos restavam. Com o lava-loiça cheio de água, os nossos novos animais de estimação nadavam animados (por pouco não fomos tele-transportadas para o Aquário Vasco da Gama - e digo Aquário Vasco da Gama, porque o Oceanário ainda não existia na altura).
Ao assistir àquele espectáculo impressionante, supliquei a Maman que me deixasse guardar duas enguias num aquário, para não mais esquecermos aqueles momentos de rara beleza marinha. Maman, acedeu ao meu pedido e depositámos num aquário de vidro transparente duas lindas cobras viscosas que começaram, de imediato, a nadar em círculos, para não mais pararem.
De seguida e já com a fome a apertar, colocava-se a questão:
"Como assassinar as enguias que nos restavam, de forma a permitir a Maman confeccionar o ambicionado repasto?
Maman já se encontrava ligeiramente corada com a azáfama. Maman não queria admitir que não sabia como proceder ao assassinato da espécie píscicula que nos habitava o lava-loiça.
Maman, dotada de terríveis poderes que adquiriu ao estudar as técnicas de tortura mais avançadas, resolveu, então, abrir a torneira de água quente para a derramar gentilmente sobre o corpo das cobras aquáticas. As cobras, ao sentirem o toque macio daquela água, emitiram sons e esgueiraram-se em aflição para o lava-loiça do lado, dando azo a que mais duas ou três escapassem (com queimaduras de terceiro grau, é certo) pelo ralo abaixo.
Já desnorteada com a situação, Maman encarnou o mais terrível torturador da igreja católica dos tempos da inquisição e colocou uma panela cheia de água ao lume. Assim que a água começou a borbulhar, Maman possuída pelo Demo, agarrou nas enguias, uma a uma, e atirou-as (as que conseguiu - muitas contorceram-se e caíram para o chão da cozinha escondendo-se debaixo da mesa e armários) para a panela fervilhante.
As enguias sucumbiram a esta nova técnica e Maman conseguiu, finalmente, derrotar as ditas.
Claro que, depois desta cena, saímos para almoçar fora e nunca (NUNCA) mais deglutimos ou deglutiremos esses bonitos animais, nesta nossa vida.
P.S. mais tarde soubemos que se matam as enguias com serradura. Não que isso nos interessasse, pois não queremos nada com esses seres...
P.S.2 Maman, quando confrontada com esta memória, ficou indignada com o facto de ter deixado de fora o momento em que tentou decapitar várias enguias e as mesmas continuaram (já sem cabeça) a menear os seus corpos (e do outro lado suas cabeças) como se os mesmos se mantivessem unidos. Fica, portanto, a correcção...