A Sua Excelência, o meu bom
Ministro da Economia,
A cidadã encontra-se aqui nesta
cadeirinha onde a mandaram sentar, de cabeça baixa como manda a tradição, para
informar que sim, que já resolveu aquela questão que tanto atormentava V. Exa.,
aquela das portas das cabines de duche e das portas das casas de banho dos vestiários
dos funcionários, e fê-lo, está claro, de acordo com as indicações precisas do Ministério
de V. Exa..
O quê?! Como assim?! O meu bom Ministro não sabe do que está a
cidadã a falar?! Peço mil vezes perdão, meu bom Ministro, mas as ilustres pessoas
do Ministério de V. Exa. disseram à cidadã que esta era uma questão
fundamental?! Uma situação urgente que, caso não fosse resolvida, implicaria a
não-renovação da licença industrial, e, portanto, a cidadã, assim que resolveu
tão importante assunto, apresentou-se de imediato para comunicar a boa nova… e
agora, oh diabo… o meu bom Ministro não sabe de nada?! Muito bem, meu bom
Ministro, muito bem… claro que percebo… não pode estar a par de todas as
situações… tem V. Exa. Muita razão… mas a
cidadã está aqui para isso mesmo, a cidadã tem todo o tempo do mundo para
explicar! Talvez seja melhor o meu bom Ministro sentar-se aqui na cadeira da
cidadã, que a cidadã fica de pé! Não, não tem mal nenhum, meu bom Ministro, a
cidadã até já estava cansada de estar sentada e nem sequer está habituada a esses
luxos. Ora então muito bem, peço desculpa por estar aqui a torcer estes papéis,
mas estou um bocadinho nervosa, não é todos os dias que se fala com um bom
Ministro da nossa Nação… ora, como ia dizendo, as pessoas do Ministério de V.
Exa. informaram a cidadã que, por razões de segurança, as portas das casas de
banho e das cabines de duche dos vestiários do pessoal têm, obrigatoriamente,
de abrir para fora. A cidadã, apesar de muito assustada por se encontrar entre
gente tão ilustre, contra-argumentou que a obra era recente, que os vestiários
estavam impecáveis e tinham custado uma nota preta, que era assim tudo em bom,
como aqueles ginásios da moda que V. Exa. certamente já ouviu falar, e que lhe
parecia um desperdício, uma coisinha de nada, está claro, ir gastar outra vez
tanto dinheiro para refazer uma coisa que afinal já estava feita e que, talvez
- a cidadã frisou o talvez, hã - fosse mais razoável proceder à alteração numa
outra oportunidade, com uma diferente conjuntura económica – peço desculpa pelo
atrevimento meu bom Ministro… eu sei bem que não deveria ter dito tal coisa,
que devia deixar estes assuntos da economia para quem sabe…- e que, até hoje,
não se tinham verificado quaisquer acidentes derivado da situação das portas abrirem para dentro. A cidadã
chegou mesmo a dizer que percebia que, em caso de pânico, era realmente melhor
que as portas abrissem para fora, mas – e agora repare na ousadia da cidadã… -
que isso só faria sentido se todas as portas, e não apenas as das casas de
banho e duches, abrissem no mesmo sentido… Mas as autoridades foram peremptórias: As portas das casas de banho e duches terão de abrir para fora ou a licença
não será renovada! Ora a cidadã tremeu muito, foi contar as suas moedas e mudou as portas, que a cidadã não quer cá problemas com as
autoridades, benza-as Deus! E assim se fez, mudaram-se muitas portas em perfeito
estado de conservação, por outras exactamente iguais mas que, desta feita, abrem no bom
sentido. E agora, meu bom Ministro, aproveito só, enquanto saio às arrecuas e
fazendo inúmeras vénias, para dizer que o trabalho ficou uma beleza, e que
tinham V. Exas. Toda a razão, que as pessoas agora poderão fugir das boxes em
grande velocidade em caso de emergência. Claro está que, enquanto isso não
acontece, as portas -porque a arquitectura estava pensada para portas a abrir
no sentido inverso- vão continuar a bater umas nas outras, a entalar as mãos
dos funcionários e a bater na cara daqueles que esperam, aflitos, pela sua vez
de fazer xixi. Mas também… quem é que se vai preocupar com minudências dessas...