Já
a Tia Violante tinha um séquito de criadas, praticamente uma PME, tal era o afã
que se vivia naquela casa. Acontece que a Tia Violante, uma adepta fervorosa do brio, do
garbo e da altivez, andava desgostosa com as melenas das raparigas, aliás, desgostosa
é dizer pouco, a Tia Violante andava em pol-vo-ro-sa com aquelas gaforinas. Logo
de manhã as raparigas entravam-lhe pelo quarto com aqueles chignons horripilantes,
farripas de cabelos a sair por todos os lados, as travessas a cair, enfim, para
os elevados padrões estéticos da Tia Violante, aquilo era um espectáculo feérico,
uma tortura, uma situação que a deixava com os nervos em franja e os nós dos
dedos brancos de fúria debaixo dos lençóis rendados.
A Tia Violante tentou de tudo, as toucas, as redes, as grinaldas, os ganchos e as
travessas, as bandoletes e as fitinhas, mas nada funcionava, os cabelos estavam
vivos, eléctricos, eram cabelos ladinos, determinados a atormentá-la. Para além
disso, as raparigas não tinham qualquer espécie de pundonor, parece que faziam
de propósito, não se esforçavam por melhorar os dias da tia Violante, nem as
noites, ah, as noites, as noites eram o pior, a Tia Violante deitava-se no seu
grande leito encimado por um grande crucifixo e nem se conseguia concentrar nas
suas orações, o temor dos cabelos desgrenhados era mais forte, parecia que as
raparigas estavam ali à sua frente, a mofar dela, pagodeando das suas fundadas inquietações, abanando as suas cabeleiras esgadelhadas,
aquilo eram pesadelos que a assolavam pela madrugada fora, visões tenebrosas, um
tormento como nunca ninguém deve ter vivido, nem antes, nem depois da Tia
Violante. E então, um dia, depois de um longo calvário e muito sofrimento, a
Tia Violante, cansada de tolerar aqueles penteados rústicos que se passeavam na
sua mui nobre casa, os penteados que a faziam viver permanentemente no fio da
navalha e com o coração em sobressalto, tomou uma grave decisão. Sentou-se graciosamente
na pontinha da cadeira da grande
secretária junto à janela, os cortinados abertos de par em par para deixar entrar
a luz e, munida de pincéis e crayons coloridos, e inspirada directamente pelo bom Deus, desenhou
o penteado ideal para a criadagem. E a
obra de arte, que sobreviveu a várias gerações, para que nenhum descendente tivesse
de passar pelo mesmo martírio que a Tia Violante passou, consistia numa
grande franja que era penteada para o lado com três ondas bem marcadas a ferro
quente, três ondas ritmadas, uma, duas, três, apanhada atrás da orelha com um
grande gancho de mola. Na nuca, e para evitar aqueles chignon desastrosos, a
tia Violante idealizou uma permanente bem apertadinha, na verdade, uma
carapinha, que garantia que os cabelos, depois de amarrados, não saíssem do
sítio. E assim foi, uma vez desenhado o penteado, a Tia Violante pegou no seu
staff impecavelmente fardado e, pela manhã muito cedo, para evitar encontros
com as senhoras das suas relações, subiu a Calçada para as depositar nas mãos do
seu cabeleireiro onde, qual artista da renascença, ia dando as devidas
instruções para a correcta execução da sua obra de arte. Foi assim que,
em casa da Tia Violante, se institucionalizou o famosos penteado, usado pela fiel
Augusta até ao seu último suspiro.
A Tia Violante nunca chegou a compreender
por que razão, a partir daquele glorioso dia, se tornou tão difícil encontrar raparigas dispostas a trabalhar numa casa tão boa...