Venho aqui contar que numa das tardes em que estava
tranquilamente a pintar, senti que Canis irrompia pelo atelier andando de um
lado para o outro, tic, tic, tic, com as suas unhinhas pelo chão, mas a pessoa
estava ali muito concentrada nas pinceladas e nem repara, aquelas andanças de
Canis estavam lá muito longe, noutra dimensão, até que, de repente olha em
volta e vê-se envolta num mar de sangue, gigantescos pingos de sangue por todo
o lado, um cenário de horror que o cérebro da pessoa não assimila, mas, mas,
mas… então assassinaram aqui uma pessoa ao meu lado e eu não dei por nada?! Onde
está o cadáver?! Levaram-no?! Então a pessoa dá um gritinho de filme de terror,
corre para o ensanguentado e bem disposto Canis ,“Canis, Canis, meu lindo bebé,
o que se passa contigo?! De onde vem todo este sanguinho?!” E então a pessoa
percebe que é um minúsculo corte numa orelha, uma coisa quase invisível mas
que, ainda assim, em termos de caudal, parece uma mangueira de pressão, a
pessoa agarra a orelha para fazer um garrote, mas Canis não gosta, escapa-se,
abana a cabeça no atelier, sanguinho pelos ares, a aterrar em todo o lado, na
própria pessoa, nas paredes, nos sofás, Canis corre para a piscina, abana a
cabeça, sanguinho por todo o lado, a pessoa corre atrás dele, ela própria cheia
de sanguinho, mais pessoas aparecem, ficam estáticas a olhar para aquela
carnificina, a pessoa consegue voltar a agarrar Canis, mas Canis não pára de
abanar a cabeça naquela chuva infernal, de cada vez que a coisa parecia estar a
estancar ele voltava a dar a sua refrescante sacudidela, pusemos água
oxigenada, betadine, pensos em spray, nada estancava aquele riacho…
Duas horas depois, e quando tínhamos a casa e os nossos próprios outfits prontos para filmar
a sequela do Shining, conseguimos finalmente fechar a torneira.
(o corte era minúsculo mas numa destas veias)