A busca pela Mulher Perfeita, assim definida segundo os cânones
de Pipoco, o Mais Salgado, tinha sido iniciada muitos anos antes mas, por
razões mal explicadas e envoltas em mistério, nunca tinha sido concluída. Sabe-se
pouco sobre as pesquisas levadas a cabo e até nós chegaram apenas rumores esparsos que indicavam que os
homens que haviam tentado trilhar esse caminho tinham sido sucessivamente
conduzidos ora à santidade, ora à loucura, condição que os impedia de transmitirem os
dados que haviam recolhido. Os primeiros recusavam-se a partilhar a informação alegando
que dela tinham tido conhecimento através do sacramento da confissão e aos
segundos não se podia, evidentemente, dar qualquer crédito. Talvez por isso
tenha sido determinado que, desta vez, a abordagem fosse feita de forma diferente,
desta vez a investigação seria levada a cabo pelo melhor investigador que, à
data, integrava o GaNPI (Gabinete Nacional dos Problemas Irresolúveis), uma mulher com
provas dadas em terrenos onde todos os outros tinham falhado.
Quando me entregaram em mãos esta tarefa epopeica, deixei-me
cair sobre uma cadeira de fórmica e, desalentada, apoiei a cabeça entre as mãos
e chorei. Chorei porque não sabia por onde começar. Chorei com a certeza que iria
fracassar, logo eu que tinha uma reputação a manter e que era conhecida no meio
por conseguir, sempre, resolver os enigmas que me apresentavam. Os dias passaram e eu quase sucumbi. Invejei os meus colegas
a quem tinham sido atribuídas tarefas tão simples como a de determinar a origem
do universo ou a existência de Deus.
Depois de meses de desânimo que me conduziram a uma profunda
depressão, o meu orgulho ferido, apunhalado, trespassado por balas, fez-me
reagir e, a pouco e pouco, recompus-me e dei os primeiros passos na minha
pesquisa. Comecei por vasculhar bibliotecas, consultei livros, pergaminhos,
velinos e papiros, procurei em revistas e jornais, explorei bancos de dados e
arquivos informáticos, tudo em vão. Continuava tão longe da Mulher Perfeita como no início dos meus trabalhos. À noite afundava-me numa poltrona confortável
e, apesar de querer dar tréguas às minhas lucubrações, imaginava-a, via-a ali,
envolta no fumo dos meus cigarettes, quase conseguia ter a percepção daquilo
que procurava mas as imagens desdobravam-se em infindáveis permutações
impedindo-me de ter a visão clara que tanto procurava. A minha busca era agora uma doença, uma obsessão, uma questão de honra. Sabia bem que a Mulher Perfeita era aquela que, dotada
de um conjunto de atributos de tal forma irrepreensíveis, faria com que quem a olhasse, não mais ousasse pensar noutra
coisa. Talvez por isso o segredo sobre o seu paradeiro estivesse tão bem
guardado... é que o simples vislumbre de tal criatura faria com que os
homens esquecessem coisas tão simples como a existência do mundo. Depois de uma fase inicial totalmente infrutífera, conclui que seria necessário recorrer a grandes meios para conseguir obter o resultado que o GaNPI esperava de mim. Dei uma reviravolta nas investigações e optei pelo método científico. Reuni
uma equipa de estetas, psicólogos, antropólogos, lógicos e semânticos
e delineámos um plano que passava por fazer um inventário exaustivo de todas as mulheres! As suas categorias seriam finalmente estabelecidas, a beleza
catalogada, a inteligência definida, o carácter revelado. Os dados seriam então avaliados por teóricos e estudiosos dos cânones de Pipoco, O
Mais Salgado daí retirando o inevitável corolário - a determinação, sem margem para dúvidas, d'A Mulher Perfeita.
Contratei espiões, detectives, investigadores privados,
agentes infiltrados, inquisidores e alcoviteiras. Prepararam-se questionários
redigidos em todas as línguas e utilizando todos os alfabetos, seleccionaram-se amostras de todos os estratos e
condições e iniciámos o inquérito. Uma operação a nível global, lançada simultaneamente em todos os Continentes. Ao todo foram questionadas mais de cem
mil milhões de mulheres. Umas apresentaram-se livremente sonhando que poderiam
vir a ser consideradas a Branca de Sal do planeta, outras foram inquiridas nos
seus domicílios, locais de trabalho, via pública, lojas e até em banquinhas de Centros Comerciais montadas entre as do Barclays e as do Nails4us, outras, mais avessas ao nosso estudo, foram submetidas
a interrogatórios intensivos, aliciadas ou coagidas, por vezes torturadas,
algumas só responderam sob a acção de drogas, soros e poções, outras sob
ameaças. Muitas pereceram nesses trâmites,
outras perderam o juízo mas, na generalidade, sobreviveram. As que seduziram os inquisidores numa tentativa desesperada de manipular os resultados, tiveram
de ser imediatamente desqualificadas. Coordenei pessoalmente grande parte dos trabalhos e inteirei-me de todos os passos daqueles em que não participei directamente. Foi com algum pesar que tomei conhecimento da morte de alguns dos meus agentes, alguns incinerados por dragões na China, outros que ficaram congelados nas planícies geladas da Sibéria onde ainda são utilizados como estátuas, um grupo que acabou encurralado em Creta por um inusitado Minotauro e ainda um outro cujo rapto pela mafia continua até hoje por explicar. Ainda assim, e apesar de todas estas baixas e revezes, não esmorecemos e obtidas as amostras, procedemos à chamada de poetas e artistas que avaliaram todas as candidatas em termos de beleza física, matemáticos e psiquiatras que lhes determinaram o
Q.I, especialistas em cálculo que as agruparam em grupos e
sub-grupos e informáticos que fizeram o upload de todos os dados. E, depois de anos de análise eis que hoje permiti-me, finalmente, esboçar o meu primeiro sorriso em muito, muito tempo. O resultado tenho-o aqui à minha frente, num dossier de capa verde plastificada, formato 29x42… pronto para ser entregue à única pessoa capaz de o validar...
Inspirado no "Enigma da esfinge" - do meu pai