sexta-feira, 29 de março de 2019

A vida de uma blogger de sucesso no centro da cidade de Lisboa

O drama começou pela ausência de caixote. Meses. Foram precisos meses para a Câmara Municipal me disponibilizar o meu próprio caixote do lixo, tantos meses que tive de pedir emprestado um caixote a pessoas generosas de caixotes do lixo, pessoas que, mesmo sabendo que estavam na posse de bem valiosíssimo, abriram mão dele para me salvar a vida. Mas desenganem-se se pensam que o drama do lixo é só a obtenção do caixote. Não. Conseguir o caixote é apenas o primeiro passo de uma longa jornada. Uma vez na posse do caixote do lixo a pessoa percebe que tem de o estimar, mais, tem de o acarinhar, melhor ainda, tem de o guardar com a vida. Ter um caixote do lixo na cidade de Lisboa é um sinal exterior de riqueza, é praticamente a mesma coisa que ter um Bentley. Todos querem o nosso Bentley do lixo. Os vizinhos cobiçam-nos secretamente o nosso Bentley e estão sempre à coca a ver se o tiramos da garagem, porque são uns pobres sem-bentley, capazes de tudo para enfiar os seus sacos do lixo imundos no luxuoso Bentley de uma pessoa. É por isso que só retiro o meu Bentley do lixo da garagem a altas horas da noite, camuflada pelas trevas. Abro o portão e, sorrateiramente, arrasto o meu Bentley para o passeio e depois rezo para que lá esteja na manhã seguinte. De preferência vazio. Acontece que, como os carros estacionam em cima do passeio e a rua é estreita - já fiz queixa à Junta de Freguesia, que por sua vez fez queixa à CM mas, em vez de colocarem pinos como tinha pedido, a CM pediu à EMEL para ir lá durante o dia rebocar os carros. Claro que à noite, que não há reboques, os automóveis estão todos em cima do passeio e não há carro do lixo que lá consiga passar), na manhã seguinte, de madrugada- que a recolha do Bentley tem de ser feita ao nascer do sol pois que se uma pessoa se atrasa o seu Bentley já está cheio de cascas de batatas alheias- há dois cenários possíveis:

-  O Bentley do lixo continua cheio de lixo, com mais lixo do que aquele que lá tínhamos posto, o nosso lixo e o que os vizinhos indigentes sem-bentley lá foram colocar, o que obriga esta pessoa a fazer uma triagem antes de recolher o seu Bentley à Gáráge, como dizem as pessoas rycas que têm luxuosos Bentleys do lixo;

- A pessoa abre a gáráge e o Bentley-do Lixo não está na rua, foi arrastado para paragens longínquas - onde o carro do lixo consegue aceder - situação em que a pessoa tem de calcorrear o bairro, frenética - onde está o caixote, onde está o meu caixote?!Oh Deuses, roubaram-me o caixote! Aposto que mo levaram para sempre!... para depois o encontrar abandonado numa qualquer esquina e ter de o arrastar carinhosamente pelas ruas, de volta ao seu reduto.

E pronto, é assim a vida glamourosa de uma pessoa que ostenta ser a orgulhosa possuidora de um contentor do lixo.


segunda-feira, 11 de março de 2019