O Engenheiro Acácio acorda todas as manhãs entusiasmadíssimo; entusiasmadíssmo é como quem diz, que o Engenheiro Acácio tem de manter a fleuma e, como tal, não é homem de se entusiasmar por aí além. Voltemos então ao início.
O engenheiro Acácio acorda todas as manhãs entusiasmado q.b., no fundo sabe que tem uma missão a cumprir e isso é o suficiente para o alegrar, uma vez que o Engenheiro Acácio é, sobretudo, um homem de missões.
Depositado nas costas da cadeira do seu quarto está, muito direitinho e preparado de véspera, o seu fatinho escuro às riscas, a sua camisa branca, a sua gravata verde garrafa e, no chão, numa linha paralela perfeita, os seus sapatinhos de sola, imediatamente ao lado da sua mochila. Em cima da mesa, enfileirados, os seus cartões verdes, amarelos e vermelhos. O Engenheiro Acácio acorda bem cedinho, porque isto de ter uma missão é coisa importante e, quem tem uma missão, tem de a cumprir em condições. Assim sendo, veste-se com aprumo, calça-se, atando os atacadores com dois lacinhos redondos e perfeitos, amarra firmemente à cabeça uma fita encarnada, à Rambo, a fita que revela ao mundo a perigosidade da sua incumbência, dedica largos minutos a polir os seus cartões coloridos, os conhecidos cartões da Moral, os cartões que lhe foram atribuídos numa linda cerimónia pela Santa Inquisição, guarda-os com todos os cuidados num porta-documentos de pele de borrego que é cuidadosamente guardado na mochila que, por sua vez, é profissionalmente colocada às costas, e, nestes preparos absolutamente assustadores, parte no seu passo aprumado e oficial para a floresta, para fazer a sua ronda Moralizadora.
E o Engenheiro Acácio lá vai, perscrutador, por entre galhos pavorosos, que insistem permanentemente em despentear-lhe as lustrosas e cuidadas melenas, folhas que insistem em cair-lhe nos ombros e que ele sacode incessantemente, de olhos bem abertos, a cumprir escrupulosamente o seu mister: caçar as terríveis, perigosas e inomináveis prevaricadoras. O Engenheiro Acácio é, no entanto, extremamente cuidadoso, que a floresta é local ermo, arriscado e traiçoeiro, e o Engenheiro, homem do mundo como gosta de se considerar, sabe muitíssimo bem que não pode pôr o pé em ramo verde, pelo que todos os seus gestos são estudados para que possa saltar de nenúfar em nenúfar sem nunca tropeçar e estatelar-se na lama. Mas se o Engenheiro Acácio é geralmente um homem cuidadoso e cortês com todos aqueles com quem se cruza na floresta, "bom dia minha Senhora, vai muito compostinha nesse coche alemão, sim senhor! Passou no exame! Aqui tem um cartão verde", "como vai o Senhor Doutor, ai essas polainas... deviam estar mais reluzentes, aqui tem um cartão amarelo", com as prevaricadoras, aquelas que saem da linha, uma linha que o Engenheiro Acácio definiu com esmero ao longo de anos e anos, consegue ser absolutamente implacável, sendo, aliás, muito pior que as próprias. Não que seja sanguinário, que o Engenheiro, como engenheiro que é, faz questão em ser sempre muito gentil, mas, de cada vez que apanha uma dessas prevaricadoras, tira do bolso o seu lenço de seda da Índia, passa-o pela testa, devolvendo-o de seguida ao bolso da sua sobrecasaca e diz, corajoso e com voz segura de quem fala em nome de um povo e da autoridade instituída, cartão vermelho na mão direita, a esquerda pousada no ombro da prevaricadora, paternalmente, "Então, então, minha Senhora, por quem é! A Senhora é muito instruída para ter ideias tão... tão anticivilizadoras! Prudência! Prudência! Os regulamentos são muito explícitos! Não os infrinjamos, não os infrinjamos! O nosso público não é afecto a cenas de sangue" e, com voz persuasiva, acrescenta "dê mais alegria ao blog, o leitor sai mais aliviado. Deixe sair o leitor mais aliviado!".
E ao fim do dia, quando o vêem regressar ao seu quartinho, missão cumprida, ouvem-se suspiros pela floresta, "que grande homem", dizem umas, "que justiceiro", dizem outras, e o Engenheiro Acácio, glacial e polido, diz-lhes "minhas senhoras, então? Mas, no fundo, é disso que está à espera, que o Engenheiro Acácio está aqui para ser visto, desejado e, já agora, para sair bem no daguerreótipo. Sim, sair bem no daguerreótipo é fundamental.