Depois de ter estado fora uns dias, papai regressou à sua habitação (aquela situada em local ermo e sem quaisquer vizinhos por perto) na companhia de seu irmão. Na noite da chegada e porque estavam cansados, resolveram deitar-se cedo. Papai recolheu aos seus aposentos no piso superior e o seu irmão ficou num quarto térreo (que dá para os sumptuosos relvados de papai). O irmão deitou-se no seu leito, aconchegou a roupa de cama ao seu corpo e, sentindo-se pronto para passar uma reconfortante noite de sono, deixou-se descontrair. Acontece que, mal apagou a luz, barulhos estranhos ecoaram do exterior. Irmão ficou algo apreensivo, diria mesmo, assustado e, como tal, manteve-se deitado… à espera…. Acontece que os sons continuavam e irmão, combatendo os seus mais íntimos terrores, acercou-se da janela (com muito cuidado para não ser visto), tentando, assim, vislumbrar o que se passava no exterior. No entanto, o exterior não se deixava ver. Lá fora, a noite, estava escura como breu. Irmão pressentia o movimento, mas não enxergava a sua origem. Depois de algumas tentativas infrutíferas, irmão desistiu da sua busca e, fechando a porta do quarto à chave, deitou-se na cama ansiando que a manhã chegasse. As horas foram longas e de angustia, até que os primeiros raios de sol despontaram no horizonte. Irmão, exausto de uma noite insone, saltou imediatamente da cama e, a medo, abriu a porta do quarto. Pé ante pé, avançou pela sala em direcção à vidraça. Aí chegado (e disfarçado pelas cortinas), espreitou o exterior. Foi nesse momento que percebeu. Todos os seus músculos se contraíram ao verificar o que se passava lá fora. Em choque, deu 5 passos atrás! Refugiou-se na cozinha e aí se deixou ficar, horas a fio, à espera de papai (papai é pessoa que não tem hora para acordar).
Já o sol ia alto no céu, quando irmão ouviu os passos de papai nas escadas. Irmão ganhou, então, toda a coragem que lhe tinha escapado durante a noite e, dirigindo-se a papai, perguntou indignado e com uma agressividade crescente na voz:
- Tu tens um novo animal de estimação?!
Papai olhou-o estupefacto e preparou-se, de imediato, para começar a passar receitas de medicamentos capazes de combater a esquizofrenia. No entanto, irmão insistia na pergunta:
- Diz-me! Tu tens um novo animal de estimação?!
Papai, apercebendo-se que não ia resolver esta grave questão nervosa com facilidade, iniciou uma longa conversa no sentido de perceber quais as apoquentações que afligiam, de forma tão radical, o seu irmão. No entanto, o irmão não se deu por vencido. Agarrou na mão de papai e conduziu-o à porta da sala para que papai lhe explicasse aquilo que os seus olhos não conseguiam compreender.
Papai, condescendente, deixou-se levar mas, ao acercar-se da janela, qual não é o seu espanto, quando ao olhar para o exterior vê… tcharan… um enorme (bota enorme nisso) porco cor-de-rosa, vagueando pelo seu jardim.
Papai ponderou estar, ele próprio, com visões. Pensou mesmo que poderia tratar-se de uma alucinação colectiva. Uma espécie de milagre de Fátima, mas no Algarve. Teve receio de ser, ele próprio, um pastorinho.
No entanto, o porco nada tinha de belo ou etéreo. Era muito real. Grunhia amiúde e, como tal, papai e seu irmão reconheceram que apesar de bastante alternativa, aquela era uma situação real. Papai e seu irmão ficaram enclausurados em casa, mirando o exterior, tentando engendrar um plano para dali tirar o selvagem animal.
Ambos sabiam que o jardim se encontrava vedado com uma rede e que não havia saída por aquele lado. Presumiram, e bem, que o porco tivesse conseguido entrar por baixo da rede, mas, nesta altura dos acontecimentos, era humanamente impossível fazê-lo sair da mesma forma.
Depois de muito meditarem, papai e seu irmão armaram-se de vassouras e esfregonas e, fazendo um carreirinho ladeado por cadeiras entre a porta da rua e a porta do jardim, abriram esta última, chamando o porco com assobios e beijinhos. O porco, ao sentir-se acarinhado com todo aquele amor, avançou, confiante, sobre a dupla de manos. Acontece que, ao invés de sair pela porta da rua, o selvagem e perigoso suíno, no último momento, resolveu subir as escadas e ficou, no patamar superior, mirando aqueles tristes seres humanos armados de material de limpeza até aos dentes, ao mesmo que tempo que babava espuma branca e raspava as suas imundas patas nos tapetes Persa de papai. Depois de muito discutirem, papai e irmão ligaram uma mangueira junto à porta da rua e o porco (provavelmente sem beber água há vários dias) lançou-se, rebolando, escada a baixo, em direcção à água. Ora papai e seu irmão fugiram de imediato, contentes com a sua astúcia. Não previram, no entanto, que, depois de saciar a sua sede, o porco se deslocasse furioso na direcção do carro de papai. Papai aí perdeu finalmente as estribeiras e gritou (coisa nunca antes vista):
- Aiiiiiiiiiii que ele me vai comer os pneus do carro (como já tive oportunidade de referir, papai é pessoa que tem bastante afecto pelas suas viaturas)!!!
No entanto, o porco depois de lamber e babar os pneus, decidiu-se antes, e como forma de despedida, por depositar uma quantidade significativa de xixi-cocó junto à viatura de papai, abalando de seguida e para todo o sempre daquela estranha casa…
E foi assim que no dia em que ganhou um animal de estimação, papai perdeu, de imediato, o seu animal de estimação…