Não consigo ter uma opinião sobre a Grécia. Não consigo
mesmo. Por um lado há em mim o lado de bom pagador, a minha costela Cavaco
Silva, de quem levanta o dedinho para a lista de calotes na mercearia e diz com
os olhos muito abertos ”pedisteS fiado, amanha-te, agora tens de pagar, contas
são contas!”. Por outro, bem, por outro… parece-me impossível exigir à D. Andronika,
a quem acabaram de cortar a electricidade e que já está a dever três meses de
renda da casa, que venha pagar as três latas de atum e o pacote de esparguete
marca branca, que levou na última quarta-feira. Claro que ainda me lembro de
quando a Dona Andronika parava aqui à porta naquele Mercedes cinzento
metalizado e, sem desligar o motor, entrava-me pelo estabelecimento, em cima
dos seus saltos altíssimos, para levar aquelas latinhas de ovas de esturjão que
custavam para cima de um dinheirão, e aí penso que havia de subir lá ao
terceiro direito e levar-lhe o plasma de 95 centímetros, não há direito, o que
ela para ali gastou, chego mesmo a subir as escadas para me deparar com o
senhor Joaquim do talho, a D. Aurora da tabacaria, o Senhor Almerindo da loja
de electrodomésticos, todos em fila, de braços no ar, com as facturas na mão, e
lá em cima, os três filhos da Dona Andronika, agarrados à balaustrada, andrajosos
e a chorar baba e ranho. Claro que a pessoa, perante aquele cenário, pega no
seu papel pardo, o papel dos calotes, desiste da ideia e começa a descer os
degraus, cabisbaixa, pensando que o melhor é deixar a Dona Andronika respirar
um bocadinho, coitadinha, teve pouca sorte, talvez para o próximo mês ... Mas nisto,
a Dona Andronika, assoma-se ao patamar, mão na anca, e desata aos gritos com os
seus credores, andor, tudo daqui para fora, não se está mesmo a ver que não vos
vou pagar nem um tostão, era só o que faltava, pagar o que pedi emprestado,
onde é que já se viu?! Xô, xô… , e, perante isto, a pessoa agarra-se novamente no
seu papel pardo, e sobe os degraus muito
depressa, a bater com os calcanhares, e a pensar “olha a sacana, então isto
agora é assim?! Agora é que lhe levo mesmo o plasma!”
E pronto, assim vão os meus pensamentos sobre a Grécia.