sexta-feira, 9 de junho de 2017

E pronto!

Bem sei que o mal está lá atrás, nas primeiras vezes que lhe abri a porta e dei dois dedos de conversa, que enfim, achei que não podia privar a porteira do seu modo de vida, do leva e traz, de lhe acenar com a cabeça quando diz mal da senhora do segundo, da do terceiro e do quarto, sabendo de antemão que, quando fecho a porta, vai ao segundo andar dizer mal da senhora cá de baixo, ou seja, de mim, mas a porteira é uma pessoa solitária, precisa destes momentos de fel para se manter rija e saudável e a mim não me custava assim tanto, de modo que a deixava entrar quando ela se abeirava por trás do murinho do pátio, nunca imaginando que, um dia, o assunto do leva e traz se focasse apenas nas minhas pinturas, as que ela disse que até eram jeitosas e finas, mas que aparentemente a atormentam. Agora, para além das visitas do fim de tarde, ataca a minha auxiliar de roupa e lar durante o dia, para irem secretamente e em conjunto ver os quadros da doutora,  tu já viste isto? Olha este cão, que feiiiiiio! E a cara dela? Tu já vistes a cara dela? E põe-se a imitar a expressão da cara da boneca que está na pintura, E aqui, enfiada com o cão na banheira! Onde é que já se viu uma pessoa a tomar banho com um cão!? E o rato? Um rato em cima dela, olha bem práquilo, que nojo! e, danada, agarra no pescoço da minha auxiliar de roupa e lar dirigindo-lhe os olhos na direcção do rato, para ela não perder pitada: olha! Para que é que ela pinta estas porcarias?, pergunta indignada. Sim, podia pintar umas coisas bonitas, os filhos, que são tão jeitosos, o marido, um homem tão bem parecido, não desfazendo, uma paisagem, mas não,  põe-se a fazer isto! E agora, à tarde, sabes lá, chega a casa, põe-se a pintar e pronto! Como quem diz, uma pessoa dá-se ao trabalho de a vir visitar, coitada, que ela precisa tanto, e ela nada!


35 comentários:

  1. Não conheço todas, mas as porteiras são todas muito parecidas nos seus defeitos.
    Para mim não dá. Esse leva e trás, entrar em casa para ver e ir contar? Vádjiré-tró!

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    1. Ahahhahahahhahahhahahhahahhaahahahahah
      Eu sei! Mas já me habituei :DDDDDDDDD
      O prédio é o mundo dela... ninguém liga nenhuma às coscuvilhices :D

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  2. Próxima obra: "Palmier e o ninho de porteiras"

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    1. :DDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD
      Ela seria óptima para integrar uma pintura! Com aqueles óculos em forma de borboleta e um cabelo em mise, todo armado! Oh páaaaaaaa, era perfeita! :DDDDDDDDDDDDDD

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    2. Acho que devias pensar nisso! Qual seria a reacção? Será que se reconheceria? ;)

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  3. "Leva e trás" uma vez ainda passaria (dificilmente) por erro de teclado. Mas duas...?

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    1. Bem, com tanto sobe e desce de andar em andar, diria que a Palmier deveria ter escrito mais vezes leva e trás.
      Mais que não seja para se dar crédito à trabalheira da senhora concierge! ;)

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    2. Há gente que se abespinha por tão pouco.
      Num blog tão bem humorado como este é mesmo vontade de aborrecer.

      Palmier, é fazer um cartaz à semelhança de «É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir.»

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    3. Detesto dar erros, sei bem a diferença entre trás e traz, mas há dias assim, em que a cabeça não está a carburar a todo o vapor. Ainda bem que me corrigiram! Assim o disparate não fica ali a ensombrar o post :)

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    4. Sabe, Palmier, que nós, os "velhos" professores de Língua Portuguesa, deixamos a correção na escola e nos concentramos em permitir lapsos- porque também os fazemos- e em sorrir a espontaneidade dos que amamos?
      Ao contrário de si, venho de uma família humilde, recordando muitas vezes a genuinidade dos meus avós e o quanto me orgulhava de passear com eles pelas ruas da invicta, a cheirarem aos meus campos transmontanos.Nunca os corrigi, assim como não o faço com os meus pais e, muito menos, com quem se exprime com uma riqueza como a sua.
      ( fico triste ao ler as "Edites" Estrela do nosso país)

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  4. Um retrato da porteira em pose de rainha/grande estadista, com o pano do pó a fazer de faixa e a vassoura/esfregona a fazer de ceptro é que era!

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    1. Oh páaaaaaaaaaaaaaa! Isso era maravilhoso! A porteira num cadeirão de talha dourada com um manto encarnado e uma tiara! Ela ía adorar essa cena deveras real, está sempre a falar de coisas como "o Senhor Embaixador tal e tal e das senhoras CondeNsas de sei lá onde, seria absolutamente maravilhoso! :DDDDDDDDDDDDDDDDDDD

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    2. Vais ver que os teus quadros voltavam logo à categoria de "sim senhora, está aqui um quadro muito jeitoso", quem sabe à categoria "a doutora do r/c é realmente uma artista de primeira".

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    3. Caramba! Depois pendurava nas escadas! :DDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD

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    4. Ideia perfeita!
      Quando convidar a sôdona porteira para posar, diga-lhe que será a obra essencial, que não lhe ocorre mais nada que se enquadre tão bem no espírito da colecção e que case tão perfeitamente com os outros figurados. E ela há-de ficar a matutar se lhe foi dirigido o epíteto de rainha muito importante, ou de coisa feia! :D

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    5. E na cara uma máscara de muitos euros, enquanto beberrica um chá servido num serviço de porcelana chinesa, comprado ali no Shan Biju ;)

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    6. Estava aqui a pensar se ficaria melhor a afagar um gato OU então haver um pavão a espreitar pela janela. Tem sempre de haver um animal, certo?

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  5. Para a próxima desenha uma vassoura a cair na cabeça da porteira...

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    1. Não, a ideia da Mirone é mega-fixe! Tenho de ver como a convenço!!! :DDDDDDDDDDDDDD

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  6. O Verdadeiro Artista é aquele que perturba, revolucionário, ninguém deixando indiferente, porteiras incluídas! GO PAUMIRA!

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    1. Ahahahahahhahahahhahahahahhahahahahahahahahhahahahhahahaha
      É que ela anda mesmo, mesmo perturbada! Acha que os quadros estão embruxados! :DDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD

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  7. Eu cá pintava um ninho de cobras e meia cara da porteira a entrar na boca de uma delas!!! Ahahahahahahah

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  8. Está explicado. A senhora do post anterior meteu a sua porteira na mala. Aposto que é insonorizada.

    Ah, quando a Porteira vir O Casaco...

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    1. Acho que vou comprar a mala do post anterior só para guardar lá dentro a porteira! :DDDDDDDDDDDDD

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  9. E pintá-la acompanhada da sua congénere do prédio duas ruas abaixo? Duas pelo preço de uma. O que não se poupava em telas...

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  10. "Achei que não podia privar a porteira do seu modo de vida".

    Desculpe-me, Palmier, mas porquê essa atitude condescendente? Não gostava da pessoa, é claro que sentia um certo desprezo e, no entanto, lá achou que a pobre coitada podia entrar em sua casa.

    Alimentou essa situação e agora está espantada?

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    1. Eu não estou nada espantada, Anónima. Eu acho graça ao mundo da Porteira, o que é muito diferente. Nem percebo por que razão acha a minha atitude condescendente. A vida dela é mesmo o prédio, não é ler Kant, é evidente que às vezes me falha a paciência, mas na maior parte dos dias acho graça aos dramas... aliás, eu a minha auxiliar de roupa e lar (que já sei que não posso dizer empregada aqui nos blogs, para não dar azo a comentários como este, aqui d'el rei se fazemos alguma graça sobre pessoas menos favorecidas) rimos até às lágrimas com a apreciação que a porteira fez das pinturas...

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    2. Na realidade, dizer auxiliar torna-se ridículo.

      Em relação ao estatuto social da porteira, até podia ser o presidente da República que o tom do post continua a ser condescendente.

      Deixou entrar em sua casa uma pessoa pela qual não tem o menor respeito para quê? Para poder gozar com ela depois?

      Claro que a pessoa que descreve não deve despertar grande simpatia em ninguém, é uma pessoa claramente desagradável, mas o tom do post continua a ser um misto de desprezo e condescendência.

      Foi assim que o li e peço desculpa se não foi essa a sua intenção, todavia, já que partilhou o post, pergunto-me porque é que deixou entrar em sua casa uma pessoa de que não gosta. É que, com toda a certeza, a vida de coscuvilhice da porteira não depende só da Palmier.

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    3. Anónima, porque o prédio é pequeno, porque vivo aqui há treze anos e ela há uns quarenta, porque faz parte da mobília, porque todas as pessoas têm empregada e todas falam umas com as outras, porque as traseiras do prédio são um pátio das cantigas, porque não causa dano a ninguém porque todos nos conhecemos e sabemos como é a porteira. É como é. É uma pessoa muito solitária que se ocupa com as nossas vidas, e porque, apesar das suas limitações, toma conta do prédio impecavelmente, é prestável, está sempre atenta a todos os barulhos e acontecimentos e... essa coisa terrível e condescendente... diverte-me. Podia fechar-lhe a porta na cara e não lhe dirigir a palavra, mas olhe, não foi essa a minha opção.

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    4. (e em tendo essa oportunidade, pinto mesmo um quadro em que ela seja a figura principal!)

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