Li
isto do Tolan e primeiro pensei que devia acampar à porta da editora à espera
que o livro fosse finalmente impresso. Mas depois percebi que não sei a morada
de nenhuma editora e os meus planos caíram por terra. Então, fui lá ler outra
vez. Se temos aquele bocadinho, o melhor é aproveitá-lo. Mas, depois, fiquei
outra vez zangada por a editora estar a demorar tanto tempo e vim-me embora.
Mas, passado um bocado, fui lá outra vez só para ter a certeza que ainda lá
estava. E li outra vez. E,
enquanto estava nisto, percebi que a Sara e eu somos a mesma pessoa, mas ao
contrário. Sou a Aras. Tenho sempre frio. Vou para o escritório e sou acometida
de muito frio e não deixo que liguem o ar condicionado. Os dois homens que
comigo partilham o espaço sofrem muito, mas em silêncio. Aproveitam logo de
manhã, antes de eu chegar, para pôr o ar condicionado no máximo do mínimo.
Julgo até que eles vão mais cedo para se poderem vingar dos meus caprichos e
refastelar-se ali, ao fresquinho. Quando eu finalmente me apresento, aquilo
parece o Pólo Norte e os meus colegas uns pinguins lustrosos e felizes.
Eu então comento, assim como quem não quer a coisa, agarrada ao meu casaquinho
(que eu ando sempre com um casquinho por causa do frio) e enquanto me apresso a
apertar os botões "Ena, ena! Estão cheios de calor…". No fundo
eu sou como a minha avó que, quando tinha alguma coisa menos agradável para
dizer, punha as palavras na boca de uma senhora amiga "Uma senhora minha
amiga disse que...", e eu, em vez de ter uma senhora amiga, tenho um casaquinho
amigo. Mal pressinto o frio agarro logo nos botões e tento metê-los nas respectivas
casas, de forma a passar a mensagem a todos os que estão à
minha volta. Mas, estava eu a dizer que, mal me vêm a apertar os botões e a
fazer brrrrrrr, eles olham um
para o outro e, resignados, desligam o ar. Já tentaram esconder o comando e
disseram-me que não o conseguiam desligar, mas eu resolvi logo a questão, subi
a uma cadeira e desliguei-o lá no alto, no botão cor-de-laranja. Depois ainda
lhes disse com um olhar doce, lá de cima, da cadeira, "vêm... afinal nem é
preciso o comando". E eles enterraram a cabeça nos ombros e ligaram umas
mini-ventoínhas que improvisaram nas suas mesas, para estas ocasiões.
Pobrezinhos, andam para ali, o ano inteiro, em mangas de camisa. E eu não acho
aquilo nada bem e digo-lhes muitas vezes "que horror... vocês não têm
frio?" E eles retorcem-se nas cadeiras e dizem que não, que estão bem
assim. Ás vezes constipam-se, coitadinhos. Andam sempre mais constipados no
Verão, porque têm de interromper o trabalho para ir a outra sala, em que o ar
condicionado está regulado para temperaturas negativas, com o objectivo de se
refrescarem. É claro que, depois, não resistem ao choque de térmico e ficam
muito doentes. A secretária, que está lá ao fundo e que gosta sempre de olhar
para nós por entre as traves de madeira com um sorriso prestável é, também ela,
uma vítima desta situação. É que, quando estão muitos graus lá fora, eu deixo
que liguem o ar lá do fundo. E eles então vão lá e ligam aquilo no máximo, na vã esperança que aquele ar condicionado consiga refrescar o nosso lado. É claro
que nem reparam que o ar bate de frente na pobre criatura e que ela ali fica,
nos dias de Verão, com o mesmo sorriso dos dias de Inverno. No fundo, aquilo é
o sorriso de Inverno que lhe fica congelado na cara. Lembro-me muitas vezes
daqueles cisnes de gelo dos buffets dos hotéis. Nesses dias ela também traz um
casaquinho, mas daqueles polares, já a vi com um poncho em pleno mês de Agosto.
Tenho sempre algum receio que nos esqueçamos dela ali e que só a
venhamos a encontrar dias mais tarde com estalactites no nariz. Eu cá, quando
tenho de ir ao scanner que está mesmo ali, junto da mesa dela, digo sempre
"Uiiii isto aqui é a Sibéria!" e, nesses momentos, em que ela já só
mexe os olhos, confirma que sim senhora, aquilo é mesmo a Sibéria. Mas eu nem
lhe dou tempo de acabar a frase porque, quando ela ainda está a meio,
eu já estou a correr em direcção ao meu micro-clima, puxo a cadeira para a
janela e fico ali ao sol, como uma lagartixa, a restabelecer a minha
temperatura corporal da intempérie a que fui momentaneamente submetida. Ontem
até aconteceu o meu consorte ir lá ao escritório e dizer consternado "Mas
vocês aqui não ligam o ar condicionado?!" e eles olharam uns para os
outros, um ranhoso e em mangas de camisa, o outro corado e com umas rosáceas carmesim na cara afogueada, e a outra lá ao fundo com um sorriso de pedra, depois
olharam para mim, esperançosos, com a respiração suspensa, à espera da minha
resposta. E eu respondi, displicente, "Com este frio?!" E eles então
expeliram o ar que tinham prendido no peito e, derrotados, voltaram ao trabalho.
Não sei de qual de vocês gosto mais, se da Palmier, se do Tolan :)
ResponderEliminarAmei as duas! A Sara e a Aras!
ResponderEliminarAté fiquei com afrontamentos!
ResponderEliminarO que me ri com o cisne de gelo :P
ResponderEliminarRita
Já tive grandes guerras por causa do ar condicionado aqui no burgo... uma altura quase que ia andar à estalada. também sou amante do casaquinho.
ResponderEliminarÓ Palmier, então não sabe que o frio é chique? Antes ter frieiras em pleno julho, faringites crónicas e habituar o corpo aos choques térmicos do que trabalhar com mais de 18 graus (a menos que ninguém esteja a ver).
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